pretérito mais que imperfeito
Setembro 09, 2021
Sou pretérito mais que imperfeito
consigo esquecer-me das chaves do coração
tropeçar na vida instável sou perfeito
vivo a pedir esmola às portas do perdão
na passagem de nível sou desnível
vazio arqueológico ao vento descomposto
mais valia tirar um curso de ventriloquia
e a voz que se ouvisse fosse a voz do desgosto
fazendo o balanço dos anos que passaram
germinaram-se algumas coisas perfeitas
cumpri compromissos que me encomendaram
não desisto sequer das coisas desfeitas
sou feliz a traduzir os voos passageiros
das aves reunidas que buscarão calor
que esta linguagem simples é mais acessível
que traduzir incontáveis tragédias de amor
amor, de conservá-lo estendo-me ao comprido
adivinho que virá no amor o senhor doutor
explicar-lhe-ei o teorema deste sem abrigo
no poema que escreveu rimou amor com dor
a cidade está bem para os príncipes perfeitos
turistas temporários ricos e banais
I love Lisbon so much, porém os benefícios
aos autóctones cravam-lhes agudos punhais
continuarei escrevendo até que a alma me doa
a doer-me não mo negue o tempo que me resta
sou fífia de trompete que na música destoa
inflamável lixívia que o ar macio empesta
sou valor residual das vezes que errei
troquei débito por crédito vírus no balanço
sou juro insustentável que nunca sustentei
sou raio de luz a reflectir no espelho baço
sou mágoa de verão, sou máxima de outono
aforismo de inverno, sou sombra que passa
sou anti matéria negativa monótona
batimento cardíaco que descompassa.
sempre escrevi às escondidas a criança
reconhece-me na rua sabe quem eu sou
na pálpebra descida da peça de teatro
sou cortinas fechadas no sítio onde estou
já não sou a casa branca na colina
nem príncipe mergulhado no seu ócio
sou agente inibidor da endorfina
sou morcego aturdido no equinócio