Negros anos
Agosto 23, 2016
Chamavam-me vampiro, Drácula, coveiro
A palidez mortal do rosto era doentia
Vestia-me de sombra negra, desordeiro
Escondia-me do sol. À noite, é que vivia.
A minha juventude foi de romantismo.
Para os que sabem bem o que isto significa
O amor revestia-se de puro misticismo
Eu era um alvo fácil para a dura crítica.
Os livros de olhos felinos me seduziam
Que abertos, ampliam espíritos fechados
Nas horas do tédio, os livros reduziam
Aquela amargura aos mais inadaptados.
Ergui meu El Dorado, papéis manuscritos
Jardins de metáforas floresciam no rosto
Era amante da Lua, rainha dos malditos
Seguidor da Beleza, o Sol era o desgosto
Poético era o sangue em fluxos irreais
Meus sonhos infundados não traziam lucro
Seguia, atentamente, os gatos nos beirais
Das janelas, que miavam: “Este, está maluco”
De amores, as mulheres, meu jardim calcaram
Os roseirais quebrados, lírios adoeciam
Unânimes, cruéis Erínias me assaltavam
Os nervos de violino, e cedo, enfim, partiam
A música era esposa, amante, a poesia
Amigos, eram anjos lúcidos no mundo
Sofriam ver-me triste, vago à luz do dia
Como se, inutilmente, fosse um vagabundo
Como campo em ruínas, selvagem, inculto
Ardia tudo à volta no meu coração
Fui Nero e própria Roma antiga onde fiz culto
Do fogo posto em mim, fui criminosa mão.
Ó poema agrilhoado, no alto da montanha
Sou Prometeu bicado pela águia de Zeus
Por mais que este castigo seja coisa estranha
Estes intempestivos anos foram meus