Metamorfose
Agosto 18, 2016
Abstraído dos hábitos comuns dos humanos
Agarro-me, insolente, às folhas de papel
Como batendo aflito à porta dos enganos
Ou plantar rara flor num íntimo vergel.
Lancei, como uma flecha, o olhar no infinito
Tentando imaginar a solidão eterna
No pânico poético, escuto um eco, um grito
No vale a propagar-se, a ver quem lá governa
Meus olhos extraiam sulfúreos minérios
Calcando luxuosos sonhos que inventei
Terei, nessa dormência eterna, refrigérios
Para justificar na vida o que ganhei?
Sem cães de três cabeças ou falsas harpias
Que enfraqueciam mentes dementes de heróis
Pintei, na tela negra, brancas cortesias
De anjos e demónios debaixo dos lençóis.
Suspenso no varão do Tempo indefinido
Num dédalo mental que o tempo ao homem dá
Vazio, vácuo de cinza, um nada me encobrira
como enterrar verdades cruas co’ uma pá.
Espessa névoa de púrpura, um sol sisudo
Praias de areia azul, o céu ensanguentado
E os corpos celestes flexíveis neste estudo
Iam em rebanho pela Lua liderado.
Como se me chamasse a voz do promontório
A estranha tentação de em voo me atirar
Subiu-me rubro sangue ao rosto, foi notório
Minha metamorfose: era ave, a voar, a voar…
O solo diminuía, ao sol me dirigia
Como se abalroasse miríades de estrelas
Voltava a ressurgir, coragem me influía
Para atingir os céus, passar suas sentinelas
Tirar a história a limpo do Éden promissor
Depois que somos sonhos no espaço, à deriva
Se interdito jardim, berço do imenso amor
Havia ou existia lá uma alma viva.
Mas não. E retornei de pronto ao meu papel,
Ao lado repousava a pena dessa dor
De ver que o real travara ímpeto de Babel
Em línguas várias ver o imaginário em cor