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POESIA ÀS ESCONDIDAS

Poemas escritos por António Só

Metamorfose

Agosto 18, 2016

Abstraído dos hábitos comuns dos humanos

Agarro-me, insolente, às folhas de papel

Como batendo aflito à porta dos enganos

Ou plantar rara flor num íntimo vergel.

 

Lancei, como uma flecha, o olhar no infinito

Tentando imaginar a solidão eterna

No pânico poético, escuto um eco, um grito

No vale a propagar-se, a ver quem lá governa

 

Meus olhos extraiam sulfúreos minérios

Calcando luxuosos sonhos que inventei

Terei, nessa dormência eterna, refrigérios

Para justificar na vida o que ganhei?

 

Sem cães de três cabeças ou falsas harpias

Que enfraqueciam mentes dementes de heróis

Pintei, na tela negra, brancas cortesias

De anjos e demónios debaixo dos lençóis.

 

Suspenso no varão do Tempo indefinido

Num dédalo mental que o tempo ao homem dá

Vazio, vácuo de cinza, um nada me encobrira

como enterrar verdades cruas co’ uma pá.

 

Espessa névoa de púrpura, um sol sisudo

Praias de areia azul, o céu ensanguentado

E os corpos celestes flexíveis neste estudo

Iam em rebanho pela Lua liderado.

 

Como se me chamasse a voz do promontório

A estranha tentação de em voo me atirar

Subiu-me rubro sangue ao rosto, foi notório

Minha metamorfose: era ave, a voar, a voar…

 

O solo diminuía, ao sol me dirigia

Como se abalroasse miríades de estrelas

Voltava a ressurgir, coragem me influía

Para atingir os céus, passar suas sentinelas

 

Tirar a história a limpo do Éden promissor

Depois que somos sonhos no espaço, à deriva

Se interdito jardim, berço do imenso amor

Havia ou existia lá uma alma viva.

 

Mas não. E retornei de pronto ao meu papel,

Ao lado repousava a pena dessa dor

De ver que o real travara ímpeto de Babel

Em línguas várias ver o imaginário em cor

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