Aspirações
Setembro 02, 2021
Gostava que meus versos fossem autênticos
desfiles de moda de vanguarda ou
peças de roupa que outros pudessem
vesti-los e usá-los com a echarpe do sorriso
ou antigos pergaminhos que andassem
de mão em mão como bilhetes secretos
alusivos ao cómico humor do momento
recreativos ao trágico amor dolente
gostava realmente que me vissem o rosto
extraindo sangue do poema conclusivo
da infecção no peito que a solidão imprime
música dispersa no vazio deserto invisível
gostava que meus versos suavizassem
as minhas dores de cabeça irreversíveis
óleos balsâmicos dos músculos e ossos
piano de Chopin poético, doente, triste
que fosse pão embebido no café
da manhã como fazem os velhinhos
trazendo-lhes a infância longínqua à boca
por não haver outra via ficar-se perto
e que houvesse silêncio das aves
quando dormem de cabeça debaixo da asa
ou no parapeito da casa abandonada
onde ninguém pousa a não ser a vida