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POESIA ÀS ESCONDIDAS

Poemas escritos por António Só

As Vinhas do Teu Rosto

Março 27, 2011

Desejo vindimar nas vinhas do teu rosto,

As uvas dos teus lábios rubros que me levam,

À boca, um doce vinho, que amarga o desgosto

E os anjos dos sentidos, demónios se revelam.

 

Como se o teu perfume dos jardins de Vénus

Manipulasse as mãos e os dedos do desejo,

Nocturnos, os beijos furtivos são eternos

Entranham-se na alma, desfilam num cortejo.

 

Vem, esmaga meu corpo no mármore do peito

No teu, serão meus dedos, pentes de marfim

Amo esse langor doce, o gelo a derreter-se

Num rio plácido e terno por cima de mim.

 

Fechei as persianas, tranquei o martírio,

Das contas por pagar, deveres por fazer,

Como um teatro ao rubro à noite em delírio,

À luz do dia encerra mas nunca o prazer.

 

Não há melhor na vida que sentir o aperto

Doce e amoroso de onde o mundo sai

No sul, vejo um sol posto raro no deserto

E a Lua, ao enternecer-se do céu escuro cai

 

Tão pouco tempo dura o longo espasmo ardente,

Breves gozos passam como alegres horas,

Curtas, sempre ansiosas, falsas, delinquentes

E angústias e tristezas, trémula, evaporas

 

Que a morte se assemelhe às nossas ternas noites

Se assim cruel me for a vida não parece,

O peso que nos vinca os ombros de desgosto

Onde uma flor não dura e trágica esmorece

 

Colérico, lá fora, ruge o mundo inteiro,

As fábricas não cessam os guturais mugidos

Libertam gazes, fumos, matam um loureiro,

Que a um velho raquítico fora convertido.

 

Que fogo de artifício explode quando expludo

No teatro azul da mente ao cair do pano!

Um sonho de dançantes violetas onde tudo

Se vive muito mais numa hora que num ano.

 

Que tela flutuante quando em ti flutuo,

Num beijo, ao enrolar minha língua na tua,

Palco onde me liberto, vida onde eu actuo,

Sou primavera e cor ao ver-te livre e nua

 

É um latejar constante dum talento em fogo,

Na esgrima, é um frenético sabre ansioso

Beijo-te na boca, a vida não interrogo,

é um silêncio de ouro, manso, proveitoso.

 

Venço-me esta noite por prender-me a ti

Rasgo os meus papéis, os planos que tracei

Os versos inventados que nunca os senti

Mesmo não sabendo se és quem eu sonhei

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