A Verdade
Novembro 05, 2010
O céu azul macio convida-me a sair,
A rastejar pra fora da escura caverna
Onde há tão poucos rostos raros a florir
Como a mulher que pousa a sua mão na perna.
Podia ser pior o meu anonimato,
Não ter carisma iguala a não escrever poemas
É ter mais que uma pedra dentro do sapato
É viver na luxúria longe dos problemas.
Rostos, poucos ficam, muitos por nós passam
À frente como o tempo, atrás como o Verão,
São memoráveis dias quando se entrelaçam,
Dedos que nos tocam a lira do coração.
É triste envelhecer, minha senhora! Eu sinto
Que essas imprecações que vai soltando ao vento
Foram frases bebidas num copo de absinto
Por não ouvir a voz que vem dum sentimento…
É como ler o livro, A Dama das Camélias
Sofremos por amor poético e vazio
Num jardim de glicínias, túlipas, gardénias
Sente-se as fragrâncias doces como o cio.
Mas estes rostos fazem parte de uma vida
São páginas escritas no branco papel
Enigmas de uma alma que nunca foi lida
Há quem o amor amarga a boca como o fel.
Falíveis somos, nós que de tudo tentamos
Par dar um sentido ao que não faz sentido,
a preciosa vida é um dom que resgatamos
À criação de autor anónimo, desconhecido.
Há quem se reconheça num copo de vinho
No fundo da garrafa ou no alucinogéno
Ou a fingir que vai num bando de estorninhos
A melhorar a sua bomba de hidrogénio.
Pobre de quem se julga um deus vivo na terra,
Iluminado, eleito, semi-deus ou nada
Ou quem julga trazer a paz levando a guerra
Por não sentir-se amado pela sua amada.
E fala com o fogo a sair-lhe dos olhos
Mas se encolhe ao ouvir rugir feroz pantera
qual ave nascida na fúria dos escolhos
Que pobre de espírito viver como uma fera.
Misturo-me no sangue turbulento e rubro,
Percorro as entupidas veias da cidade
E nos túneis sinistros é quando descubro
A insónia da mentira e contemplo a verdade
E exclamo «que loucura é esta de viver»
Até ao último instante, em frente, prosseguindo,
Um túnel, uma rua, um rosto, sem saber
Se atrás vem uma sombra escura me seguindo