"Ele está no meio de nós"
Junho 01, 2010
Oiço o gemido daquele
Que veio pedir-me um cigarro,
Fiquei com o rosto dele,
Na minha mente gravado,
Oiço-o, ainda a pedir-me
Quase num mudo queixume,
E antes dele despedir-me,
Perguntou, triste: tens lume?
Dói vê-lo andar nos caixotes
Tentando achar alimento,
Senhoras com seus decotes,
Passam no mesmo momento
Evitam aqueles olhos,
Que às vezes julgo ser deus,
Que assim vivem nos escolhos
Mendigo entre camafeus.
«Senhora, altiva, elegante,
Não tem moeda pra dar?»
«Não tenho, só este diamante
No anel. Sabe? Vou casar!»
«Verdade! É para comer.»
Insiste o pobre mendigo
«Tenho o céu pra me acolher,
Serve-me a terra de abrigo.»
Enfim, prossegue indiferente,
A noiva feliz pela rua,
Na rua de luxo imponente
Onde a miséria anda nua
Dorme-se em escadas imundas
No chão jaz o cobertor
Enquanto almas moribundas
Fumam e falam de amor.
Sopra-me um vento, a verdade,
Como se fosse a folhagem,
Daquela árvore, vontade,
De pertencer à paisagem,
Que vista do alto é tão bela,
Se fico longe do chão,
O mundo é uma linda tela,
Vista do ar… mas daqui, não!