Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

POESIA ÀS ESCONDIDAS

Poemas escritos por António Só

Amante Solidão

Outubro 28, 2009

Quem nunca se sentira só no mundo

Na multidão, seara imensa humana

Sentindo ter batido lá no fundo,

Tentando encontrar cura ao que lhe dana?

Ou alvo cisne andar num lago imundo,

Ou negro corvo no ar que nunca engana?

Não estás só, gentil leitor amigo

Seja-te este poema bom abrigo.

 

Que foi que me lançou nesta árdua empresa,

Expressar em verso íngreme solidão?

Às vezes a alegria, outras tristeza,

Murmúrios das águas do coração,

Convenci-me ter sido a Natureza,

Que me chamara. Bem, é ilusão

Nunca encontrei nada que justifique

Que outro querer melhor se prontifique.

 

Ao ler um livro, esqueço-me que passa,

à frente a vida num louco cortejo,

Meu ser é irreversível, embaraça

A língua gestual do meu desejo

Que austero me comprime e descompassa

Ser livre, tornou-se meu ensejo,

Por mais que encontre, falta-me equilíbrio,

O meio, o vivo extremo, o desequilíbrio.

 

Quem nunca em suas faces encontrou

Rosados tons, do íntimo embaraço

Ou quem nunca vergonha demonstrou,

Tolhendo, frase inculta, certo passo?

Quem nunca infeliz, feliz se mostrou

Disfarce inútil, eu que não disfarço,

Porque não uso máscara no ofício

Mais sofro, nesta via do suplício.

 

Tento manter direito o que me entorta

Mentira inventar quem ser não pretendo

Custa-me ser actor que se comporta

Segundo um guião escrito. Não entendo

O corpo sustentar com alma morta

Sorrir sem ter vontade, vai-se vendo,

Porém, sorriso engulo. A falsidade

Causa-me enjoos, náuseas, na verdade.

 

Dedico este poema aos sonhadores

Poetas, aos anónimos artistas,

Tornaram-se na terra sofredores

Àqueles que não vêm nas revistas

Jornais e televisões, tão promissores,

Talentos, mas que nunca dão nas vistas;

São sombras ocultadas nas cortinas

Porém, autores são de obras divinas.

 

Por muito que me espante quem se esconde

Do mundo, exibindo sua obra

O que mais longe vai, não sei para onde,

Que o duro ferro, em vida, férreo, dobra

Porque não sonha ser barão ou conde

Recusando convite vão da cobra,

Que, com altos caprichos nos seduz,

E à perdição sinistra nos conduz.

 

Tanto alimento, a vida, nos of'rece,

No tempo, passo a passo, abundância,

Perco-me no fascínio que arrefece

Esculpindo o mármore bruto da ignorância

Imagem espantosa que aparece

No mundo inesperado da inconstância,

O sol espalha pela terra o ouro,

Saúdo os que vêem nisto alto tesouro.

 

Ó Céu que colorido te apresentas

Qual tela de Romeu e Julieta

Beleza tens, e nunca representas,

Na exactidão expressiva de poeta

Vejo-te em chamas, fogo que sustentas,

Que às nuvens pinceladas Sol decreta,

Seja este entardecer poema ardente

Pra que se glorifique eternamente.

 

Para dar conta disto há que isolar-me,

Sem magoar quem muito me ama e estima,

No Paraíso Perdido encontrar-me

Na musicalidade de uma rima

Podendo, neste céu, equilibrar-me

Fingir Deus ser pintor lá muito em cima

Puxando rédeas à melancolia,

Sendo mais proveitoso o claro dia.

 

Que importa não ser-se celebridade,

Tornar-se um servo vil da fama e glória

Foi Buda um dia em busca da verdade

Escrevendo ignorado sua História

Porém, é mais um deus na Humanidade

Que se propagam gritos de vitória,

Mas sobre a fé, saibamos ser discretos

Sinais de Deus nunca foram concretos.

 

Teu mal espanta!Canta uma canção,

Eu que não canto há muito, sinto a falta

Cantar para espantar a solidão

Com cores variadíssimas, que esmalta

O espírito, alma, corpo e coração,

Ode à Alegria que a todos exalta

Sintonizado co’o Belo e Divino

Livre das incertezas do Destino.

 

Soubesse ser feliz, feliz seria,

Se interrogasse mais o céu imenso

O mar ouvisse mais, talvez teria,

Temperamento igual, feroz, intenso

Com ventos iracundos gritaria

Manhosa dor que sinto por extenso

Despida solidão, jamais a quero

Amante que me envia ao desespero.

 

Soltar-me dos caprichos corporais,

Insípidos, pesados, carrancudos

É meu desejo; surjam musicais

Meus versos sejam fruto dos estudos

À noite, com fantasmas imortais

Que em mim moram; fora de mim, são mudos

Mantendo com fantasmas bons diálogos.

Curioso, pois com gente são monólogos.

 

Ficaram-me palavras flutuantes

Luas sobre Damasco à noite quando

Estrelas, testemunhas cintilantes,

Assistem quando um mal nos vai soltando

Suspiros impotentes, tão gritantes

Quando terror e Morte vão mostrando

Sanguinolentos campos de batalha

Na Babilónia antiga, Ódio se espalha.

 

Lá mora um mal perpétuo que esperança

Tornou-se, igual ao vil ouro, riqueza

Não há de noite e dia confiança,

É própria sombra truque da incerteza

Ali, ó Aristóteles, temperança

É violentada como a Natureza

Como extraímos do Ódio vil peçonha

E surja a manhã nova mais risonha?

 

Quando poderão ver mais claramente

O fim àquela funda escuridão

Vencendo a luz sublime do Oriente,

Dourando o sol que inspire mansidão

Torna-se bom remédio repelente

Do ódio que lá mora sem Razão,

Que verso milagroso cante um dia,

Às portas da imunda tirania.

 

Que derramado sangue se converta,

Em água fresca, pura e cristalina,

Faça-se em mim a nova descoberta

Querer alto saber que nos destina

Às almas simples ver quanto liberta

Saber tudo que um bem maior ensina.

Amor, que amplia e move o Universo,

Dá-me amplitude e cor ao magro verso!

4 comentários

  • Imagem de perfil

    António Só 30.10.2009

    Bom dia, Ana Laura:

    Pensei fazer um poema que reflectisse o que ultimamente tenho sentido e pensado. Às vezes a nossa solidão é ridícula. Estamos rodeados por aqueles que nos amam. Às vezes penso que foi um asorte, por mais que se fale mal do meu país, ter nascido em Portugal. Talvez por ter sido pai recentemente que a minha sensibilidade tornou-se elástica.
    enfim, foi como saiu. Vou passar pelos seus tropeços para ler o que escreveu.

    Abraço
    António
  • Sem imagem de perfil

    ana 30.10.2009

    Bom dia. Gostei da roupa nova do blog.
    A poesia é um pouco de tudo isso, somos incomuns, tu mais ainda, pois sinto este teu pulsar poético de uma forma vívida. A maternidade me transformou, deu-me um objetivo no mundo, deu-me chão por onde andar, afinal é o milagre da vida. A solidão é inerente a meu ser, de certa forma sempre fez aprte de mim e acho que das pessoas em geral. Triste daquele que a maldiz, pois ela é uma grande amiga, eu aprendo a conviver com ela, a cada dia ela deixa de ser fardo para ser local de descanso e reflexão, diria que sem ela viveria muito mais perturbada do que vivia antes. Já dizia um grande filósofo "Conhece-te a ti mesmo", esse caminho é permeado pelos relacionamentos, pois através dos outros vemos nossa ação no mundo, mas, principalmente pelo auto reflexão, e tua poesia nasce das tuas reflexões, e ecôa nas mentes questionando estas reflexões.
    Grande abraço, é imensamente gratificante ler e escrever nesse nosso viés "internético".
    Grande abraço
  • Imagem de perfil

    António Só 30.10.2009

    Olá, Ana:

    Há que mudar de indumentária de vez em quando.
    Como tudo, a solidão tem duas faces. Uma delas é tentarmos ser uma boa companhia de nós próprios. A outra é embrutecermos com essa falta de companhia. Anteriormente não pensava que chegaria a altura em separar-me dos meus amigos, que são como irmãos para mim (dois deles, quase pais). Fazem-me falta, e estamos juntos, o tempo esvoaça, não dando para dizer tudo o que queríamos dizer. Mas tento aceitar e adaptar-me.

    Grande abraço para si
  • Comentar:

    Mais

    Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

    Mais sobre mim

    foto do autor

    Subscrever por e-mail

    A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

    Arquivo

    1. 2023
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2022
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2021
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2020
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2019
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2018
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2017
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2016
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2015
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2014
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2013
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2012
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2011
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2010
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2009
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2008
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2007
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2006
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2005
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    Em destaque no SAPO Blogs
    pub