Imaginário
Outubro 14, 2009
Doura-me o sol lá fora. Arrisco tudo
Rasgo o seco ofício em mil bocados
Para andar aos caídos, aos achados
Ser no futuro objecto útil de estudo.
Oiço falar inglês, espanhol, polaco,
Soa-me ao estremecer do arvoredo,
Admiro quem pra cá veio sem medo,
Vivendo entre quem é vil e velhaco.
É raro rir-se com sinceridade
Sobra-me pouco tempo pra escrever
São raros os minutos para ler,
Por não ter conquistado a Liberdade.
Sou responsável! Falta-me a coragem,
Para lançar-me em queda à falta dela,
Amo a minha mulher, que é muito bela
Mas fala-me, às vezes, noutra linguagem.
Encolho-me no canto, se me puxam,
Os braços nas conversas tão banais,
Sinto-me exausto, as frases são-me iguais,
Das ‘stórias que aos encontrões desembucham.
Assim eu estou entregue a àrduas leituras,
Tentando dar consolo à minha alma,
Desfeita, em paciência, morta em calma
Ergo meu monumento sem estruturas.
Escrevo estes versos parcos, deslizantes
Não espero, no porvir, que façam eco
Escrevo-os para não ficar marreco
Do espírito, nas pausas mais secantes.
Porém, sinto que tenho imensa sorte
Fui pai há pouco tempo. Tenho um filho
Lua que à noite brilha, intenso brilho
Vida que me ilumina minha morte.
Voo nos céus da minha imaginação,
Vertiginosamente, bato as asas,
Em mim há uma gaivota que nas casas
Escreve com excremento: “solidão”
As estátuas, se falassem contariam,
Inéditas histórias do meu ser
Parece que transmitem seu saber.
Se eu fosse estátua, as costas voltariam.
Servil, chego bem cedo adiantado.
Ligando-me à corrente, ao universo,
Trancando a setes chaves meu perverso
Demónio, que me diz: “Chega atrasado”.
Gasto meu tempo em tarefas secantes,
Entre beldades, flores. Sinto estar,
Num público jardim a descansar,
Do que não me cansei no que fiz antes.
Bem sei que lá se esconde o Tejo ao fundo,
Beijando húmidos lábios de Lisboa
Dedico estes meus versos ao Pessoa,
Pois mesmo morto vive cá no Mundo.
Multiplicou-se! Uma vida não basta,
Para cantar-se tudo o que se sente,
Fingiu dor, “a dor que deveras sente”,
Um eco que no Tempo ainda se arrasta.
Mas vivo numa era em que poetas,
Se escondem, são ridículos aos olhos,
Do mundo inquisidor, feito de escolhos
Ó Deus, que infelicidade nos decretas,
Viver, sentindo haver mais do que a vida,
Sentir, querendo mais que este sentir,
Querer outra existência que existir
No orgulho vão não ter alma vendida.
Que me trarão meus versos no futuro?
Que rumo têm aqueles que os escrevem,
Almas daninhas, que ousam, que se atrevem,
Buscando o que é mais belo, o que é mais puro.
Altera-se meu rosto, se insinua,
No vago olhar um verso escrito, a ruga
Da morte o corpo corre, põe-se em fuga
Meu espírito no ar leve flutua.
Meu espírito agitado anda no ar
Qual trémulo, mudo voo da borboleta
Noutro país distante que decreta
No meu futuro um vendaval soltar.
Divaga por terras da Patagónia,
Acorda nas pirâmides do Egipto,
Contorce-se de dor, sente-se aflito,
Dormindo um sono num mundo de insónia.
Entra no estreito de Gibraltar. Volta,
A navegar no mar mediterrâneo,
Volta-me em vento, em espírito espontâneo
Trouxe-me do Oriente uma revolta.
Bem sei que soa tudo a surreal
Mergulho em queda livre neste abismo,
Porém, recuso o fácil conformismo,
Tento inverter o curso da espiral.
Ó meu veloz voraz real falcão,
Tu dedicado à vida da rapina,
Traz-me essa voz suave, voz divina,
Que traga ao verso alguma inspiração.
Eu queimo incenso, honrando os deuses todos,
Ponho-os no mesmo altar comum na terra
As mãos juntas, orando que esta guerra
Íntima acabe cedo com bons modos.
Não há que compreender. Não faz sentido
O meu, como na vida que não tem,
Possa cantá-lo um dia que não vem,
Buscar-me. Enquanto isso, ando perdido.
Virão sentar-se neste imaginário,
Espectros, ocultando a identidade
Aqui, encontrão expressa a verdade
Somente a minha, sem verso ordinário.
Meu rosto lentamente empalidece,
Meu punho cessa o impulso de esgrimir,
Guardo o florete agudo de sentir.
Por fim, a alvorada… eis que amanhece…