Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

POESIA ÀS ESCONDIDAS

Poemas escritos por António Só

Imaginário

Outubro 14, 2009

Doura-me o sol lá fora. Arrisco tudo

Rasgo o seco ofício em mil bocados

Para andar aos caídos, aos achados

Ser no futuro objecto útil de estudo.

 

Oiço falar inglês, espanhol, polaco,

Soa-me ao estremecer do arvoredo,

Admiro quem pra cá veio sem medo,

Vivendo entre quem é vil e velhaco.

 

É raro rir-se com sinceridade

Sobra-me pouco tempo pra escrever

São raros os minutos para ler,

Por não ter conquistado a Liberdade.

 

Sou responsável! Falta-me a coragem,

Para lançar-me em queda à falta dela,

Amo a minha mulher, que é muito bela

Mas fala-me, às vezes, noutra linguagem.

 

Encolho-me no canto, se me puxam,

Os braços nas conversas tão banais,

Sinto-me exausto, as frases são-me iguais,

Das ‘stórias que aos encontrões desembucham.

 

Assim eu estou entregue a àrduas leituras,

Tentando dar consolo à minha alma,

Desfeita, em paciência, morta em calma

Ergo meu monumento sem estruturas.

 

Escrevo estes versos parcos, deslizantes

Não espero, no porvir, que façam eco

Escrevo-os para não ficar marreco

Do espírito, nas pausas mais secantes.

 

Porém, sinto que tenho imensa sorte

Fui pai há pouco tempo. Tenho um filho

Lua que à noite brilha, intenso brilho

Vida que me ilumina minha morte.

 

Voo nos céus da minha imaginação,

Vertiginosamente, bato as asas,

Em mim há uma gaivota que nas casas

Escreve com excremento: “solidão”

 

As estátuas, se falassem contariam,

Inéditas histórias do meu ser

Parece que transmitem seu saber.

Se eu fosse estátua, as costas voltariam.

 

Servil, chego bem cedo adiantado.

Ligando-me à corrente, ao universo,

Trancando a setes chaves meu perverso

Demónio, que me diz: “Chega atrasado”.

 

Gasto meu tempo em tarefas secantes,

Entre beldades, flores. Sinto estar,

Num público jardim a descansar,

Do que não me cansei no que fiz antes.

 

Bem sei que lá se esconde o Tejo ao fundo,

Beijando húmidos lábios de Lisboa

Dedico estes meus versos ao Pessoa,

Pois mesmo morto vive cá no Mundo.

 

Multiplicou-se! Uma vida não basta,

Para cantar-se tudo o que se sente,

Fingiu dor, “a dor que deveras sente”,

Um eco que no Tempo ainda se arrasta.

 

Mas vivo numa era em que poetas,

Se escondem, são ridículos aos olhos,

Do mundo inquisidor, feito de escolhos

Ó Deus, que infelicidade nos decretas,

 

Viver, sentindo haver mais do que a vida,

Sentir, querendo mais que este sentir,

Querer outra existência que existir

No orgulho vão não ter alma vendida.

 

Que me trarão meus versos no futuro?

Que rumo têm aqueles que os escrevem,

Almas daninhas, que ousam, que se atrevem,

Buscando o que é mais belo, o que é mais puro.

 

Altera-se meu rosto, se insinua,

No vago olhar um verso escrito, a ruga

Da morte o corpo corre, põe-se em fuga

Meu espírito no ar leve flutua.

 

Meu espírito agitado anda no ar

Qual trémulo, mudo voo da borboleta

Noutro país distante que decreta

No meu futuro um vendaval soltar.

 

Divaga por terras da Patagónia,

Acorda nas pirâmides do Egipto,

Contorce-se de dor, sente-se aflito,

Dormindo um sono num mundo de insónia.

 

Entra no estreito de Gibraltar. Volta,

A navegar no mar mediterrâneo,

Volta-me em vento, em espírito espontâneo

Trouxe-me do Oriente uma revolta.

 

Bem sei que soa tudo a surreal

Mergulho em queda livre neste abismo,

Porém, recuso o fácil conformismo,

Tento inverter o curso da espiral.

 

Ó meu veloz voraz real falcão,

Tu dedicado à vida da rapina,

Traz-me essa voz suave, voz divina,

Que traga ao verso alguma inspiração.

 

Eu queimo incenso, honrando os deuses todos,

Ponho-os no mesmo altar comum na terra

As mãos juntas, orando que esta guerra

Íntima acabe cedo com bons modos.

 

Não há que compreender. Não faz sentido

O meu, como na vida que não tem,

Possa cantá-lo um dia que não vem,

Buscar-me. Enquanto isso, ando perdido.

 

Virão sentar-se neste imaginário,

Espectros, ocultando a identidade

Aqui, encontrão expressa a verdade

Somente a minha, sem verso ordinário.

 

Meu rosto lentamente empalidece,

Meu punho cessa o impulso de esgrimir,

Guardo o florete agudo de sentir.

Por fim, a alvorada… eis que amanhece…

2 comentários

  • Imagem de perfil

    António Só 15.10.2009

    Muito obrigado, por este belíssimo soneto cunhado com o seu nome. fico muito contente por esta sua estima que não sei se a mereço. Enfim, é uma forma de amor muito bonita todas as palavras que recebo. Acredite que as guardo carinhosamente porque me servem de ignição em dias em que se abate sobre mim um tédio terrível.

    Um grande abraço
    António
  • Comentar:

    Mais

    Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

    Mais sobre mim

    foto do autor

    Subscrever por e-mail

    A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

    Arquivo

    1. 2023
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2022
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2021
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2020
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2019
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2018
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2017
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2016
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2015
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2014
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2013
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2012
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2011
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2010
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2009
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2008
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2007
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2006
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2005
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    Em destaque no SAPO Blogs
    pub