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POESIA ÀS ESCONDIDAS

Poemas escritos por António Só

Enquanto a vida for...

Abril 01, 2009

Lembrar-me-ei do amplo céu que via,

Há vários anos, cómico e bondoso,

Nos últimos momentos que dizia

Como era raro ser vitorioso.

Entre a verde folhagem, negra a ave,

Cantando, me convida e me seduz,

Ah , se no tempo não houvesse entrave,

Daria à sombra e treva minha luz.

 

Coisas que amamos, delas dependemos,

Flores não colhemos, contemplamos,

Muros que saltamos, uns erguemos,

Quando num sonho outro sonho plantamos,

A mágica rotina ressequida,

Como caídas folhas no regaço,

Do meu desejo igual na investida,

Cobrir de tinta preta o branco espaço.

 

Ah, esta cisma ou birra minha, amada,

Mãos rudes que me empurram sempre em frente,

Atrelam-me asas de ouro, estendem escada,

No sombrio lugar da escura mente.

Sentir é um privilégio de quem vence

Lugar onde se fixa pensativo

A que domínio a minha alma pertence?

Quem morto não se sente? Quem está vivo?

 

Compacto bando negro de estorninhos,

Nuvem benigna, à escuta do falcão,

Já levam planos feitos dos seus ninhos,

Façam-no, amigos, no meu coração.

Ave não sou. Sou quem ser ave anseia

Voar, convosco em bando, em debandada

No ar que livremente devaneia

Onde não há partida nem chegada.

 

Tinge-se, ao longe o céu de tons violeta,

Cumpre-se mais um dia sem cumprir-se

Cumprir o que nosso íntimo decreta

No fim, nunca deixando a vida a rir-se.

É quase uma comédia este estar vivo,

Lúcido às vezes, várias tresloucado

Lugar onde me fixo pensativo

Retrato onde me vejo retratado.

 

Mais tarde estará escrito pela mão

Do tempo, longas linhas no meu rosto

As vezes que ignorara o coração,

Ocultarão meus olhos um sol posto

Ó vibrantes acordes da vontade

Vibrem-me uma vez mais à luz do dia

Daquela Ode à Alegria, a liberdade

Que nos dourados dias me prendia.

 

Já percorri longa e mortal distância,

(Este sentir que nada percorrera…)

Já me envolvi nos braços da ignorância

(este sentir que nada ainda aprendera)

Que deixarei de válido, uma herança

Enquanto vivo, mais quero criar,

Vivo num flutuar de haver esperança

Qual criança à espera que a venham buscar.

 

Há coisas que só digo ao céu, às estrelas

Nos versos que me servem de consolo,

Por ter apego às coisas que são belas

E com elas me deito, amo e rebolo,

A música que a chuva às vezes faz,

Ao que dizer pretendo é semelhante

A cor destas camélias satisfaz,

Quando se anda por círculos de Dante.

 

Das verdejantes sombras dos salgueiros

Que cobrem de luxúria verde o rio

O cheiro abençoado dos pinheiros

Como enriquecem se sinto vazio

A cor de cada flor, traz-me um recado

Do céu que nos vigia observador

Como se fosse dele encarregado

Escrever e divagar sobre este… amor.

 

Dizem-me que esta vida não são rosas,

Mas digo-vos que podemos plantá-las,

Que ideia sermos almas langorosas

Se podemos em vida embelezá-las?

Meu espírito flutua para fora,

Da senda em direcção ao meu destino

Beleza, onde estarás a esta hora

Sai do teu lar profundo e cristalino?

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