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POESIA ÀS ESCONDIDAS

Poemas escritos por António Só

O Barco de Papel

Janeiro 19, 2009

Gostava ser um barco de papel para ser posto,

Num longo fio de água onde pudesse viajar,

Deslizando, suavemente, conforme o vento, o gosto

Deixando de ser gente onde pudesse naufragar,

 

Farol da ilha, guia, minha barca que lancei,

Ao mar, de papel branco, em forma de jangada,

Oceano de palavras, nem sei quando comecei

No início era-me tudo, neste fim não me é nada.

 

Ser folha, estar no meio, naquele manto outonal,

Exalar o odor fresco do despido arvoredo

Andar nos ramos nus, ser bicho após o temporal

Sentir defronte o sol jovem logo bem cedo.

 

Ser gelo a derreter-me na erva humedecida,

Por um langor viçoso beijar a terra inteira

Servindo de refresco para a terra embevecida,

Ser gota que penetra nua a terra prazenteira.

 

Ser disco voador, ser lançado e devolvido

Ser levado pelo vento, flutuando pelo ar

Resgatado por sereias, ser amado no olvido

Atirado, dividido, pela terra, pelo mar.

 

Ser rio, deslizando lentamente pela terra,

Entrando na cidade, majestoso, natural

Levando minha música aquática pela serra

Na mansidão corrente, divina e triunfal.

 

Ser pedra, seixo, rocha, ser escolho ou rochedo

E receber a fúria melódica do Atlântico,

Ser exílio do poeta, lugar de seu degredo

Onde pôde livremente respirar o ar romântico.

 

Ser renda, ser abrigo dos teus seios virginais

Ser roupa interior, e cobrir-te o paraíso

Ser ave e sussurrar-te melodias irreais

Ser lago transparente que procura teu sorriso

 

Gostava ser a gota que regasse teu vergel

Da sede que te invade, da fome que te assola

Ser beijo memorável, mais doce do que o mel

Língua no teu corpo que desliza, que rebola.

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