O Barco de Papel
Janeiro 19, 2009
Gostava ser um barco de papel para ser posto,
Num longo fio de água onde pudesse viajar,
Deslizando, suavemente, conforme o vento, o gosto
Deixando de ser gente onde pudesse naufragar,
Farol da ilha, guia, minha barca que lancei,
Ao mar, de papel branco, em forma de jangada,
Oceano de palavras, nem sei quando comecei
No início era-me tudo, neste fim não me é nada.
Ser folha, estar no meio, naquele manto outonal,
Exalar o odor fresco do despido arvoredo
Andar nos ramos nus, ser bicho após o temporal
Sentir defronte o sol jovem logo bem cedo.
Ser gelo a derreter-me na erva humedecida,
Por um langor viçoso beijar a terra inteira
Servindo de refresco para a terra embevecida,
Ser gota que penetra nua a terra prazenteira.
Ser disco voador, ser lançado e devolvido
Ser levado pelo vento, flutuando pelo ar
Resgatado por sereias, ser amado no olvido
Atirado, dividido, pela terra, pelo mar.
Ser rio, deslizando lentamente pela terra,
Entrando na cidade, majestoso, natural
Levando minha música aquática pela serra
Na mansidão corrente, divina e triunfal.
Ser pedra, seixo, rocha, ser escolho ou rochedo
E receber a fúria melódica do Atlântico,
Ser exílio do poeta, lugar de seu degredo
Onde pôde livremente respirar o ar romântico.
Ser renda, ser abrigo dos teus seios virginais
Ser roupa interior, e cobrir-te o paraíso
Ser ave e sussurrar-te melodias irreais
Ser lago transparente que procura teu sorriso
Gostava ser a gota que regasse teu vergel
Da sede que te invade, da fome que te assola
Ser beijo memorável, mais doce do que o mel
Língua no teu corpo que desliza, que rebola.