Amante Solidão
Janeiro 08, 2009
O que me amarra, o que me cobre e me sustenta,
O que me abriga, o que me abraça e me conforta,
O que me amarga, o que me dobra e aparenta,
Não ser a morte em causa, amor abre-me a porta.
Acordo de manhã com o acorde na cabeça,
Saio sempre à pressa em direcção ao nada,
Desperto vagaroso, à espera que me esqueça
Da rigorosa vida ao fundo duma escada.
E quando cai a noite cai minha tristeza
Como no chão se quebram copos de cristal
Acendo meu ouvido, escuto a Natureza
Soando no meu peito uma voz gutural.
Um bálsamo divino, um embalar de sonho
Leve como um fumo no ar a evolar-se,
Sobra-me um sorriso ao despertar risonho,
Do sonho que desperto, Beleza a revelar-se.
Canta a cotovia, ao longe, ergue-se a aurora
Com pétalas de rosa púrpuras no rosto,
Desperta uma cidade, duas, três; na hora
A entrar no lar do mar, suspira de desgosto.
Num ciclo vicioso, impossível de travar,
Dentro dum globo azul sou grão azul, ninguém,
Na roda gigante que não pára de girar
Eu giro num poema sem parar, e sou alguém.
O que me encanta e que me cobre de fascínio
O que me sabe dessa infância já perdida,
O que me lança, e que me encobre no declínio
É o lento despertar da esperança adormecida.
Ao longe, um luminoso raio me ilumina
Caio receoso na funda escuridão
Aumenta, sinto perto, esta luz cristalina
Cegando o penetrante olhar da solidão.