No que penso se me desleixo
Janeiro 02, 2009
Não sei se foi por ter deixado a escrita
À espera numa sala abandonada
Não sei se foi por ter alma proscrita
Talvez a inspiração me foi vedada,
Não sei porque ando de boca fechada
Cessando o brilho límpido dos olhos
Não sei porque deixei ficar na entrada,
À espera, entrar a voz vinda de escolhos.
Sossego só num canto num segundo
Em que me possa ser mais uma hora,
Deixei que entrasse o vício moribundo
Vencer por não o ter mandado embora
Bebeu de mim o meu último copo
Paguei-lhe a conta grávida de culpa,
Foi-se com a brisa, aragem, sopro
Não serve minha insónia de desculpa.
Ando à minha procura nas memórias,
Sem que esse fosse meu maior intento,
Ando à procura de magras vitórias,
Só com a força do meu pensamento,
Do amor, ando à procura nos rochedos
Nos bosques, nas florestas, nas cidades
Procura nas mentiras, as verdades
que me drenem da alma ânsias, medos.
Eu penso que ‘inda posso minha herança
Da mais alta grandeza enriquecê-la,
Também penso que posso ‘inda perdê-la
Se esqueço no desleixo ter esperança,
Julgo poder ainda entender-me
Do humano impulso ir longe onde me possa
Esclarecer de vez, mas dentro engrossa
O medo de deixar-me, de perder-me.
Ao longe um rio deitado sobre a terra,
Banhando verdes campos de paixão,
No miradouro do meu coração
Avisto ao longe Sintra e sua serra
O mar, a espuma, o sol, o vento, a rocha
Tudo me encanta, tudo me inebria
Tudo me move, tudo me extasia
De despertar com esta Aurora roxa.
Quero esquecer que amanhã mudarei
Quero reter a luz quando amanhece,
Aquela claridade que não esquece,
Por que porta no mundo aqui entrei,
O por do sol pertence a toda a gente,
Como um jardim dentro de uma cidade,
Contemplação! Que saiba, na verdade,
Só posso possui-la em minha mente.
Coro de vergonha. Sou humano
Finjo que um deus corar também queria
Choro a música que vem neste dia,
Manter-me fora deste meu engano.
Sonho que posso abrir o céu imenso
Rasgar nuvens, despir o sol de trapos
Oferecer à Lua guardanapos
Por se babar de saber no que penso.