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POESIA ÀS ESCONDIDAS

Poemas escritos por António Só

No que penso se me desleixo

Janeiro 02, 2009

Não sei se foi por ter deixado a escrita

À espera numa sala abandonada

Não sei se foi por ter alma proscrita

Talvez a inspiração me foi vedada,

Não sei porque ando de boca fechada

Cessando o brilho límpido dos olhos

Não sei porque deixei ficar na entrada,

À espera, entrar a voz vinda de escolhos.

 

Sossego só num canto num segundo

Em que me possa ser mais uma hora,

Deixei que entrasse o vício moribundo

Vencer por não o ter mandado embora

Bebeu de mim o meu último copo

Paguei-lhe a conta grávida de culpa,

Foi-se com a brisa, aragem, sopro

Não serve minha insónia de desculpa.

 

Ando à minha procura nas memórias,

Sem que esse fosse meu maior intento,

Ando à procura de magras vitórias,

Só com a força do meu pensamento,

Do amor, ando à procura nos rochedos

Nos bosques, nas florestas, nas cidades

Procura nas mentiras, as verdades

que me drenem da alma ânsias, medos.

 

Eu penso que ‘inda posso minha herança

Da mais alta grandeza enriquecê-la,

Também penso que posso ‘inda perdê-la

Se esqueço no desleixo ter esperança,

Julgo poder ainda entender-me

Do humano impulso ir longe onde me possa

Esclarecer de vez, mas dentro engrossa

O medo de deixar-me, de perder-me.

 

Ao longe um rio deitado sobre a terra,

Banhando verdes campos de paixão,

No miradouro do meu coração

Avisto ao longe Sintra e sua serra

O mar, a espuma, o sol, o vento, a rocha

Tudo me encanta, tudo me inebria

Tudo me move, tudo me extasia

De despertar com esta Aurora roxa.

 

Quero esquecer que amanhã mudarei

Quero reter a luz quando amanhece,

Aquela claridade que não esquece,

Por que porta no mundo aqui entrei,

O por do sol pertence a toda a gente,

Como um jardim dentro de uma cidade,

Contemplação! Que saiba, na verdade,

Só posso possui-la em minha mente.

 

Coro de vergonha. Sou humano

Finjo que um deus corar também queria

Choro a música que vem neste dia,

Manter-me fora deste meu engano.

Sonho que posso abrir o céu imenso

Rasgar nuvens, despir o sol de trapos

Oferecer à Lua guardanapos

Por se babar de saber no que penso.

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