Décima Oitava
Setembro 26, 2008
De condenado, andei a declarar-me,
Como se me fizesse algum sentido,
No meu passado alegre e triste, a atar-me
As mãos, os pés, para não ser esquecido
Se amante me faltava, a noite fez-se
Amante enquanto foste um sonho, apenas,
Sonho vago em cinza, em pó desfez-se
Conforto achando em almas mais pequenas.
Contei-te muito e não te contei nada
Contei-te só o que saber querias
Da íngreme subida pelas escadas
Das espirais sonoras desses dias
Em que um espectro eu era. Andava cego
De vãs esperanças, próprias de quem bebe
Da tenra juventude que renego
Vendê-la a quem dela já não recebe.
Formam-se amor questões em nossa mente
Vendando-nos os olhos do que somos
Vivendo à natureza vagamente,
Oposto ao que nestes tempos nós fomos.
Confuso, como anónimo na festa,
Entrando, sem convite e sem licença
Desenho dum enigma em nossa testa
Em que fingimos ser um ser que pensa.
Contei-te sobre o pânico iminente,
Voraz, devorador da minha alma
Pesado me era o ar, o ar me era urgente
Perdendo o equilíbrio o tino, a calma
Esta que vive em mim jamais cessando,
Seu soluçante abraço se me cola
Seu seio sumptuoso murmurando
Que: “tu és quem não bate bem da tola”
Terei algum prazer falar-te disto,
No que na minha carne já se entranha
Nas horas em que perco em falar nisto
Quando no escuro a minha alma se acanha?
E se me vês transposto passo a passo,
Verso a verso, minuto a minuto,
Em que me desfaleço num abraço
Tornando este torpor meu diminuto.
Quantas estações em nós próprios vencemos
Um rigoroso Inverno em que se vê,
Numa nossa montanha alta que temos
Um sol a irradiar-se sem porquê
A neve derreter-se pouco a pouco,
A sombra debandar dessa montanha
O serenar do som do mar tão rouco
Na fase de Diana mais estranha.
Talvez sem equilíbrio eu tenha andado
Durante muito tempo a minha vida
Invoco a sombra escura do passado
No presente, não lhe dando outra saída.
Porque livrar-me dela bem me esmero,
Combate sempre em forças desigual
Entre uma calma de anjo e o desespero
Combate eterno entre o meu Bem meu Mal.
Da Morte não se sabe quase nada,
Na vida do amanhã pouco se sabe
Minha balança, flor abençoada
Num verso o Universo meu não cabe.
Que enigma milagroso tão profundo
Sinto que a minha mente desespera
Quando asas bate e presa num segundo,
Fica na teia à sombra da quimera.
Esperança, amor, é vida no embaraço
Nesta confusa loja de brinquedos
Vivamos verso a verso, passo a passo
Cravando as nossas garras nestes medos,
Que cresce no espírito, verdete
Que cresce em nosso lar mais puro e casto
Canção cantada sempre com falsete
Em que me fere o agudo e o grave é gasto.
Não vês polido espelho nos meus olhos,
Quase de idiota tanto ao ver-te os teus
Brilharem no meu espelho sem sobrolhos
Carregados, que alcançam altos céus?
Frases exactas escritas com a mente
Quando me entra eloquência como um vento
Na porta, triunfante, independente,
Para varrer-me o inútil pensamento.
Serei a tua barca nos dilúvios,
A polar estrela que te encanta e guia
Serei também Pompeia nos Vesúvios,
Abrindo a boca, a lava e… Poesia.
Serei o lenço limpo perfumado,
Em que te absorve em ti prantos contidos
Verei também num acto consumado
Serem medos por teus olhos vencidos.
Cresce-me a límpida água, fonte pura
Meus lábios se refrescam, revigoram
Os ditos temperados de ternura
Onde nossas línguas mais se namoram,
Tão pouco (mas que tanto me é) me falta
Feliz me faz, amor, quando regresso,
No fim da tarde ao lar em que me salta,
Aos braços, esse amor, valor sem preço.
Veremos juntos anjo o que reserva,
Afasta o pensamento do amanhã,
Vem contemplar comigo a sombra na erva
A frescura abençoada na manhã.
Bem sabes, sobre ser feliz, as linhas
Do meu louco discurso inacabado
Mas tu, anjo celeste, me adivinhas
Quando me tens nos braços sossegado.
Quando um clarão se acende em minha vida,
Rapidamente vejo um lindo rosto
Amante, amiga, amada, flor querida
Nas nuvens numa tarde dum sol-posto
Vinte e oito primaveras escreveste,
Em papel impecável branco e fino
Meu equilíbrio de ouro em que estiveste
Nas ondas tumultuosas do destino