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POESIA ÀS ESCONDIDAS

Poemas escritos por António Só

Décima Oitava

Setembro 26, 2008

De condenado, andei a declarar-me,

Como se me fizesse algum sentido,

No meu passado alegre e triste, a atar-me

As mãos, os pés, para não ser esquecido

Se amante me faltava, a noite fez-se

Amante enquanto foste um sonho, apenas,

Sonho vago em cinza, em pó desfez-se

Conforto achando em almas mais pequenas.

 

Contei-te muito e não te contei nada

Contei-te só o que saber querias

Da íngreme subida pelas escadas

Das espirais sonoras desses dias

Em que um espectro eu era. Andava cego

De vãs esperanças, próprias de quem bebe

Da tenra juventude que renego

Vendê-la a quem dela já não recebe.

 

Formam-se amor questões em nossa mente

Vendando-nos os olhos do que somos

Vivendo à natureza vagamente,

Oposto ao que nestes tempos nós fomos.

Confuso, como anónimo na festa,

Entrando, sem convite e sem licença

Desenho dum enigma em nossa testa

Em que fingimos ser um ser que pensa.

 

Contei-te sobre o pânico iminente,

Voraz, devorador da minha alma

Pesado me era o ar, o ar me era urgente

Perdendo o equilíbrio o tino, a calma

Esta que vive em mim jamais cessando,

Seu soluçante abraço se me cola

Seu seio sumptuoso murmurando

Que: “tu és quem não bate bem da tola”

 

Terei algum prazer falar-te disto,

No que na minha carne já se entranha

Nas horas em que perco em falar nisto

Quando no escuro a minha alma se acanha?

E se me vês transposto passo a passo,

Verso a verso, minuto a minuto,

Em que me desfaleço num abraço

Tornando este torpor meu diminuto.

 

Quantas estações em nós próprios vencemos

Um rigoroso Inverno em que se vê,

Numa nossa montanha alta que temos

Um sol a irradiar-se sem porquê

A neve derreter-se pouco a pouco,

A sombra debandar dessa montanha

O serenar do som do mar tão rouco

Na fase de Diana mais estranha.

 

Talvez sem equilíbrio eu tenha andado

Durante muito tempo a minha vida

Invoco a sombra escura do passado

No presente, não lhe dando outra saída.

Porque livrar-me dela bem me esmero,

Combate sempre em forças desigual

Entre uma calma de anjo e o desespero

Combate eterno entre o meu Bem meu Mal.

 

Da Morte não se sabe quase nada,

Na vida do amanhã pouco se sabe

Minha balança, flor abençoada

Num verso o Universo meu não cabe.

Que enigma milagroso tão profundo

Sinto que a minha mente desespera

Quando asas bate e presa num segundo,

Fica na teia à sombra da quimera.

 

Esperança, amor, é vida no embaraço

Nesta confusa loja de brinquedos

Vivamos verso a verso, passo a passo

Cravando as nossas garras nestes medos,

Que cresce no espírito, verdete

Que cresce em nosso lar mais puro e casto

Canção cantada sempre com falsete

Em que me fere o agudo e o grave é gasto.

 

Não vês polido espelho nos meus olhos,

Quase de idiota tanto ao ver-te os teus

Brilharem no meu espelho sem sobrolhos

Carregados, que alcançam altos céus?

Frases exactas escritas com a mente

Quando me entra eloquência como um vento

Na porta, triunfante, independente,

Para varrer-me o inútil pensamento.

 

Serei a tua barca nos dilúvios,

A polar estrela que te encanta e guia

Serei também Pompeia nos Vesúvios,

Abrindo a boca, a lava e… Poesia.

Serei o lenço limpo perfumado,

Em que te absorve em ti prantos contidos

Verei também num acto consumado

Serem medos por teus olhos vencidos.

 

Cresce-me a límpida água, fonte pura

Meus lábios se refrescam, revigoram

Os ditos temperados de ternura

Onde nossas línguas mais se namoram,

Tão pouco (mas que tanto me é) me falta

Feliz me faz, amor, quando regresso,

No fim da tarde ao lar em que me salta,

Aos braços, esse amor, valor sem preço.

 

Veremos juntos anjo o que reserva,

Afasta o pensamento do amanhã,

Vem contemplar comigo a sombra na erva

A frescura abençoada na manhã.

Bem sabes, sobre ser feliz, as linhas

Do meu louco discurso inacabado

Mas tu, anjo celeste, me adivinhas

Quando me tens nos braços sossegado.

 

Quando um clarão se acende em minha vida,

Rapidamente vejo um lindo rosto

Amante, amiga, amada, flor querida

Nas nuvens numa tarde dum sol-posto

Vinte e oito primaveras escreveste,

Em papel impecável branco e fino

Meu equilíbrio de ouro em que estiveste

Nas ondas tumultuosas do destino

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