a loja de Circe
Agosto 27, 2020
a infância a adolescência foram embora
como gatos selvagens fogem das carícias
porém, a vida dura é maga professora
ergue-nos altos muros no seu santo ofício!
que desassossego é não ter desassossego
combustível no verso a dar-se combustão
explosão de luz e cor defronte deste cego
a vida nunca veio comer à minha mão
a solidão crescente em cada livro lido
onde o silêncio existe num jardim secreto
doce lar que posso caminhar despido
onde não há ninguém que grite ‘branco’ ou ‘preto’
há quem nos queira ver atrás de grades sem
poder sentir a frescura da liberdade
escondidos, os melhores frutos apodrecem
na verdade, é esse o hálito da Verdade
eu sou o papel atirado da janela
que passa esvoaçante e na rua rodopia
em pânico; no mar, sou dúctil caravela
que naufragou na Ilha trágica de Circe
tudo é cilada, engodo, fútil armadilha
não é ladrão no parque escuro o sem abrigo
preciso a intimidade de viver na ilha
das árvores que dão sombra como amigos
não peço nada mais que ser tranquilo e digno
prisioneiro de guerra com sorte e tabaco
intacto expansivo levado no destino
condecorado e depois viver num buraco
aproveitasse o voo aflito da borboleta
ou saltitasse na água igual ao alfaiate
pois amanhã estaria a porta entreaberta
para a vida onde existe tudo em toda a parte