É este frio de outono a enregelar-me o corpo
De bem afiado vento em pedra de amolar
Que me assassina e corta com terrível sopro
Que macambúzio Éolo decidiu soltar.
Os rostos que se enrugam na neblina fria
Rolam dos olhos mornas lágrimas que aquecem
O coração, que o vento bárbaro injuria
A caminho dos ofícios que nos arrefecem.
Tu, Sol, como estás fraco, cobres-te com manto
De nuvens que ameaçam engolir o mundo
Há quem reze à janela de manhã aos santos
Como se fosse um filme visto num segundo.
As crianças arrastam mochilas pesadas
Os pais vão pensativos com listas enormes
Na mente, de afazeres, almas consternadas
Das suas vidas árduas, vítimas disformes.
Os carros arrogantes rugem apressados
No pavor invisível de chegar mais tarde
Há látegos no vento, há fumos enrolados
Das fábricas grotescas, de um mundo que arde.
Meu filho, dá-me a mão, que o tempo é uma chita
Que corre tão veloz sem nós darmos por ele
Empresta-me a inocência tua que me agita
Oculto coração pela máscara da pele.
Bocejam, não do sono, só quem sofre insónia
O tempo que se encurta, cada vez mais perto
Diria ser do tédio, que só tem remédio
Se abrirmos bem os olhos no meio do deserto.
Que mão sombria faz girar veloz o mundo
Oleada da vontade antagónica à minha
Que monstro invisível faz do orbe rotundo
Ser a casa da Morte e ser nossa vizinha?