Meus únicos inimigos são os sentidos
Sanguíneo fluxo corre em rios ansiosos
E os vícios banais são lagos viciosos
Que buscarei depois conforto nos amigos
Bondosos, meus amigos salvam-me, dão gritos
À sonolência absurda do meu curvo andar
Tenho no cérebro quente lírios no altar
Da sacra escuridão que engole almas aflitas.
Perco-me no ocioso bulício da cidade
Há gente peregrina em busca da verdade
Sente-se em todo o lado, é ela omnipresente
E num ardor sulfúreo brotam das raízes
No corpo, impiedosos austeros juízes
como os olhos inquisidores desta gente
Ao longe os choupos dançam com o vento
De olhá-los, cresce o querer de dançar
Pular como a criança no momento
Que alcança esse tormento de pensar.
Ao longe o céu macio sedoso e doce
De contemplá-lo inflama-se um desejo
De ser quem sempre fui quanto mais fosse
Memorável e apetecido como um beijo.
Nem nuvem que macule a fronte azul
Ensombra a terra o céu parece em flor
Que invoca ventos vindos lá do sul
Vindo do verão tornar-se opositor.
Batem meus dedos esguios como asas
Das leves libelinhas sobre as águas
Aglomeram-me palavras como casas
Aldeia onde lá vivem minhas mágoas.
Ninguém. Doura-me a vida e nada faço
Passo por delinquente porque leio
Poemas às escondidas, neste espaço
Por contemplar a curva do teu seio.
Sou sem abrigo na literatura
Escrever pra mim é ter falta dum químico
No cérebro, igual à doença da ternura
Que no papel transformo em canto lírico.
Corro as cortinas na inspiração
Hoje não há sol que entre pela janela
Desde miúdo sinto solidão
Que aperta como um cinto sem fivela.
No horror das oito horas, no pavor dos astros
Com olhos que sonegam provas do meu ser
Vivo a pensar que sou um dos milhões de emplastros
Maçã na erva caída, amarga a apodrecer
Rasguei ambiciosos planos que engendrei
Como arquitecto vive a erguer no céu pináculos
Num dos muitos muros altos me encostei
À espera das mentiras que lêem nos astros.
Trazei-me um telescópio, eu quero ver Orion
Espiar a Lua a pôr nos lábios seu batom
E vê-la a ver-se ao espelho prateado do mar
Sentindo ânsias de Lesbos, onde as raparigas
Beijavam-se, qual Safo nas suas cantigas
a vir-se embriagada em fluídos de luar
É preciso mergulhar num rio decadente
Onde as almas se esfumam, se traem, se evolam
De gárgulas à porta, a arreganhar os dentes
Para espantar os anjos virgens que se atolam
A mergulhar mais fundo nessas águas fundas
De drogas combustíveis com olhos de absinto
Onde reinam Medusas que olham profundas
E devoram, felinas, sonhos por instinto.
É preciso sentir o odor da podridão
Para sentir ao perto essa miséria pura
Que o mundo esquece e ignora e atira ao mesmo rio
É preciso saber que há quem chore por pão
Que existe muitas noites mais que a noite escura
Muitas almas perdidas que tremem de frio
Se é vício ou uma doença, vil condenação
Roçar-me pelas coisas, querer penetrá-las
É meu perpétuo estado de insatisfação
Como todas as flores querer osculá-las
Os prados, os jardins, os bosques, as planícies
Dão gozo só de vê-los; a mim de escrevê-los
Sou bicho que remexo em lodo e imundícies
Ou pólen a alojar-se leve nos cabelos.
É querer elevar-me mais que este chão raso
Voo de águia lá dos píncaros do Parnaso
Que no fim colherá ar, pó, sombra, mais nada
E vivo a pensar nisto, sofro e não resisto
E mais no meu sentir há muito mais que isto
Porque viver rotinas me entedia e enfada
Bocejo, como o fulvo leão na savana
Tenho esta dor de chumbo dentro da cabeça
Do frenesim da vida, um mal que a todos dana
Na rotação do mundo que se move à pressa
A rádio tem a voz do amigo que nos conta
Hilariantes histórias das suas viagens
Porém, não as escuto, que a vida me aponta
O dedo, em direcção às cinzentas paisagens.
É logo de manhã que os versos vêem em bando
Trazem metáforas no bico ao coração
Palavra a palavra vão no papel pousando
Para que em verso fique eterna sensação.
De súbito, estremeço, um avião que passa
Abrindo os braços de aço, rugindo no céu
Sigo-o com o olhar, sonho que me abraça
Num voo vertiginoso de Ícaro só meu.
Viaja num silêncio de estátua de mármore
Ao lado, minha amada muda e pensativa
Seus olhos verdes são os frutos de uma árvore
Que o Amor achou por bem plantar nas nossas vidas
Gracejo, a ver se vejo seu lindo sorriso
A erguer-se como o sol laranja esta manhã
Para beber-lhe o sumo doce que preciso
Por que não venha inglório o dia de amanhã,
Eis que me olha primeiro, lânguida ensonada
Como se prometesse um reino imaginário
De súbito, sorriu em fresca água entornada
Senti-me carta escrita sem destinatário
Dizendo, num piar de ave que começa
O dia à procura de algo em seu abono
Os lábios movem-se pacíficos sem pressa
Esticando-se felina diz-me: “tenho sono!”
Há perfumes que agoniam até à náusea
Se sinto acres fragrâncias numa alma doente
Sufocam quentes como especiarias da Ásia
Subtis apertam-me o pescoço lentamente
O perfume exagerado de mulher indolente
Sombria que caminha como a fatal sorte
Alérgica ao odor de macho à sua frente
De rosto inexpressivo, fria como a Morte
Ó alma estreita que não cede à gentileza
De faces rubras se um homem dela opina
Em ti não cabe um gesto, um verso de bondade
Sarcástica, insensível aos dons da Beleza
No humor, é como a gripe, ataca repentina
Contagiando o mundo com sua maldade
![155 155]()
à Valentina...
Há em Timisoara o mercado das flores
Onde os olhos provam a luxúria da flora
Que elegantes exibem máximos fulgores
E sentimos ausência do Tempo e das horas
Eu que corria contra o tempo, acicatado
P'lo chicote na mão cruel do meu dever
À luz crepuscular pasmei, hipnotizado
E disse à minha vida: “Vai, que eu fico a ver”
Que deboche floral de cores impossíveis
De exóticos perfumes da linda Roménia
Onde os corvos em bando voam para olhar
Entre rosas e lírios, fragrâncias incríveis
Ali foi que encontrei a mais bela gardénia
Que mais tarde, com ela, viria a casar
Existem legiões de filhas Salomés
Que reclamam cabeças de homens bons e justos
Têm feras submissas e adónis a seus pés
Mesmo que ardam países com feitos injustos
Abrem as pernas a bisontes e centauros
Beijam bocas de cinza com hálito a vinho
De abismos nos olhos ácidos que, olhá-los
Com dons de Medusa, os homens petrificam.
Exibem raras sedas, jóias e pulseiras
Ali, nos seios falsos, toda uma doutrina
De vácuo, em limusinas, iates, cheias de tédio
E estendem-lhes febris vermelhas passadeiras
Para que as putas passem agitando as crinas
Como éguas no cio à espera do macho assédio