Bocejo, como o fulvo leão na savana
Tenho esta dor de chumbo dentro da cabeça
Do frenesim da vida, um mal que a todos dana
Na rotação do mundo que se move à pressa
A rádio tem a voz do amigo que nos conta
Hilariantes histórias das suas viagens
Porém, não as escuto, que a vida me aponta
O dedo, em direcção às cinzentas paisagens.
É logo de manhã que os versos vêem em bando
Trazem metáforas no bico ao coração
Palavra a palavra vão no papel pousando
Para que em verso fique eterna sensação.
De súbito, estremeço, um avião que passa
Abrindo os braços de aço, rugindo no céu
Sigo-o com o olhar, sonho que me abraça
Num voo vertiginoso de Ícaro só meu.
Viaja num silêncio de estátua de mármore
Ao lado, minha amada muda e pensativa
Seus olhos verdes são os frutos de uma árvore
Que o Amor achou por bem plantar nas nossas vidas
Gracejo, a ver se vejo seu lindo sorriso
A erguer-se como o sol laranja esta manhã
Para beber-lhe o sumo doce que preciso
Por que não venha inglório o dia de amanhã,
Eis que me olha primeiro, lânguida ensonada
Como se prometesse um reino imaginário
De súbito, sorriu em fresca água entornada
Senti-me carta escrita sem destinatário
Dizendo, num piar de ave que começa
O dia à procura de algo em seu abono
Os lábios movem-se pacíficos sem pressa
Esticando-se felina diz-me: “tenho sono!”