INSPIRAÇÕES OUTONAIS
Setembro 28, 2012
Eu já não sei escrever um poema que me leve
Para fora do real, subindo ao paraíso
Sou lago de tapete verde cheio de lodo
Sou desenho geométrico errado, impreciso.
Eu já não sei cantar os versos que cantava
Há muito tempo quando me reconhecia
Quantos versos escrevi? Quantas canções cantei
Agora que encontrei sossego na poesia.
Que este poema fosse passaporte à morte
E me sentisse vivo na sua nação
Não sei se me atrevia a elevar-me tanto
Mas vivo enquanto existe voz no coração.
Na longínqua cidade os corvos, por hotel
Têm árvores sombrias no parque sombrio
As turvas águas correm numa paz que tive
Onde senti calor, e agora sinto frio.
Jazo onde me deitei, onde não espero nada
Talvez por um abraço igual ao quente lar
Arranco como as ervas versos do meu peito
Componho um leito onde possa repousar.
Ninguém admira este meu dolce fare niente
Porque admiramos sempre os loucos que não somos
Talvez tire da mala escura essa loucura
Esquecendo ânsias, palavras, lâminas que temos.
Sôfrego, sem rumo, colmeia sem mel
Estaleiro vazio sem navios que concerte
Campos sem trigo ardente, iô iô sem cordel
Talvez um dia acorde e quem sabe, desperte.
Guitarra, diz-me tu se tens de mim saudades
Amante muda sem caprichos, paciente
Marquemos um encontro para tocar-te em Marte
Sentir-te estremecer de gozo como a gente.
Chorosos choupos negros, lágrimas de folhas
Rostos desconhecidos, vinde contra mim
Passo por negros túneis, lares de mendigos
Todos os dias escrevem na sua vida FIM.
Talvez esteja o remédio no licor de baco
Duende encarcerado que bebido dá
Ao corpo, muito afecto, afecto que não vem
de quem esperamos sempre mas “hoje não está.”