Música, por favor!
Agosto 30, 2012
A minha masmorra é forrada com pastas de arquivo,
Tem o cheiro do tempo, do esquecimento,
O ar pesado comprimido em palavras rudes,
Vorazes, como línguas de fogo,
Dançando à nossa frente exóticas, eróticas,
E nos tentassem, com olhos fixos nos nossos,
Nós, pinheiros mansos, salgueiros melancólicos,
Nós, maleáveis juncos, esmagáveis lírios
Sempre trémulos no caminho do vento,
Traiçoeiro, invejoso, rugidor
Por não ser gente, de carne e osso,
Desejando que fôssemos esqueletos dançantes,
Submissos ao seu jugo senil e inútil
Marionetas nas suas impalpáveis mãos.
Na minha masmorra não ecoa o riso,
Não entra ninguém para rir ou fazer rir,
Não entra ninguém para chorar ou fazer chorar
Não entra ninguém,
E eu, sem régua e esquadro, inadaptável à exactidão
Com desejos opostos à ordem do mundo,
Proscrito, maltrapilho do pensamento
Vagabundo nas palavras e ditos populares,
Fico quieto, cantando para mim
Melodias que bebi da fonte do tempo
Das águas límpidas de lagos sem fundo
Porque a música, essa, atrelada ao meu coração
Inspira-me ser pássaro
E esgueirar-me por entre as barras de ferro
Voando pelos céus imaginários e tranquilos
Sem voltar nunca mais...