Eu sou qualquer bicho do mato,
Que por mil cidades vagueia
Sou escaravelho, centopeia
Sou suricata, sou macaco,
Feroz leão rugindo a morte,
Um tigre que a morte anuncia,
Sou serpente que dita a sorte,
Aos Homens, com muita alegria.
Como mil folhas de bambu,
Em pensamento, eu sou um panda,
Sou boi, sou búfalo, sou gnu,
Sou crocodilo que não anda,
Sou veloz chita perseguindo,
A presa esquiva, o meu destino
A lebre alegre que fugindo
Faz do grande ser pequenino.
Na funda toca me protejo,
Sou Rei dum próspero país,
Mas se vieres dar-me um beijo,
Já não sou nada, e sou feliz...
Nasci para sentir mais esta vida
Para descer a encosta até ao mar,
Onde a vida irá um dia desaguar
E cega minha alma andará perdida,
Sentindo o pavor da alma ser esquecida,
Quanta saudade, ou não, irei deixar,
Tudo tem fim, tudo tem que acabar
Darei o meu lugar a outra vida.
Eu grito ao mundo inteiro a dor que sinto,
Deixei-a presa ao meu branco papel
Para tornar-se pó e esquecimento
Como alucinação de amargo absinto
O amor deixou-me entrar no carrossel
Que está sempre em constante movimento
Searas espessas de rostos, sonhos desfeitos
Homens falíveis nós somos, seres imperfeitos,
Grito a navalha espetada funda na barriga,
Na vida cansada, com ela faço uma cantiga.
A morte que vem à janela dizer-nos “bom dia”
O tempo que passa e nos lembra o tempo que havia;
Contemplo o relógio parado na velha estação
Do comboio que parte da alma ao meu coração,
Que crime cometo por dar à luz um poema
Vadio, proscrito imperfeito sem escolher um tema.
Quem disse que um tema devia um poema ter,
Se nele não cabe o universo que há para dizer?
Resgato no tempo meus sonhos feitos prisioneiros
Uns são frutos da vaidade, outros verdadeiros.
Quem sonha merece na terra a medalha de ouro,
Por ter descoberto na vida um rico tesouro.
Estou onde lentamente morro devagar
A soletrar meus dias árduos de labor,
A minha dor é lenha que arde sem parar
Meu coração suspira ansioso por amor
Meu cérebro, um jazigo de imagens passadas
Um túmulo de mármore onde crescem rosas
Lânguidas, que soltam suspiros desfolhadas
De dores contidas em noites dolorosas.
Longe de meu corpo ser jovem dinâmico
Vou caminhando em frente perto ao precipício,
Este poema é o meu creme balsâmico
Onde aplico nas feridas fundas dos suplícios.
Sacrificar-me por quem me derruba e mata,
Quem me puxa a camisa e esmaga as minhas flores
Onde constroem prédios e bairros de lata
E que no meu jardim secreto plantam dores.
Deixei-me ir na corrente mais forte do que eu
Sou barco de papel que no rio se arrasta
Desesperado em vão, tento agarrar-me ao céu
Para salvar-me e ver que a vida não me basta
Nas pavorosas margens dum rio triste,
À sombra dum salgueiro recordei,
Os dias gloriosos que passei
Na verde infância que não mais existe.
E ao rio que passava perguntei:
“Serei aquele que era sorridente?
E o rio que não fala e que não sente,
Não respondeu. E então, triste chorei
Meu rosto era um narciso desbotado
Minha alma, fruto da fútil vaidade,
Meu coração de pedra, era um rochedo,
O olhar era mendigo abandonado,
E, por sentir o aperto da saudade,
Na água, vi meu reflexo. Metia medo…
Nãome imagino ser, aquilo que hoje sou,
Nos tempos que virão (se vierem para mim)
Gostava ser o verde arbusto que cresceu
Que sombra não me deu mas deu flor de jasmim.
Quem fui, o que queria, o mesmo, o que sonhava
Onde depositava sonhos no papel,
Flori numa charneca crua na cidade
Ergui dentro de mim, a torre de Babel.
Naquela idade quando o amor parece água
Que não é mais que um copo cheio de cicuta
Escrevia obscuros versos sob ânsia e mágoa
E a tristeza inútil se tornava diminuta.
Lia, abria livros, qual bibliotecário,
Com a determinada crença de coisa nenhuma,
Na minha mente havia papagaios no céu
Mil flores floriam, hoje só tenho uma.
Que poema este que não o sei escrever,
No lugar sinistro onde não quero estar,
Nem sei pensar sequer o que hei-de de fazer
Ser outra gota de água no imenso mar.