Viagem de Comboio
Fevereiro 24, 2012
Logo pela manhã na luz límpida e clara,
Sob o nítido azul do céu que inspira confiança
No vento de nortada solto da caverna
Que vejo a humana gente como quem não dança.
Imundos, os passeios, minam-se de fezes
Os muros esbatidos por uma cor branca
É um papel qualquer para escritos obscenos
Um dente que apodrece mas que não se arranca.
Lindos, são tão lindos, meus irmãos fraternos
Outrora foram belos, hoje são fantasmas
Este, enfezadito, aquele que coxeia,
E o rosto da mulher coberto de miasmas
Quando saio do meu lar, vou para a estação
Do comboio generoso que por ninguém espera
Um túnel atravessa, inesperado surge,
Desfigurado um homem que lembra a quimera.
Caminho, na surpresa, vejo alguém que poda
Esquálidas palmeiras, fogo-de-artifício
Dum verde explosivo no ar que se não sente
Pendendo velhos ramos como em sacrifício.
Parte deste mundo vive adormecido,
Lembro, neste instante os que dormem na cama
Aqueles que nos cansam com suas mentiras
Trocistas que nos fazem rastejar na lama.
Levo na mochila só o necessário,
Comida, um diário, um livro, uma caneta
Sinto-me Salomão perto do paraíso
Durante quarenta minutos sou poeta.
Já vem cheio o comboio que entra na estação,
Depois de ouvir-se a voz metálica no ar
(Imagino-a no dia em que gravou sua voz
Às vezes sou assim, ponho-me a imaginar)
Uns dormem, outros falam, outros nem por isso
Outros lêem livros e diários da república
Uns estão empregados, outros nem por isso
Outros ao relento dormem na via pública.
Gare do Oriente! Aqui já sai mais gente,
Sente-se o comboio aliviar-se mais
As portas, ao abrirem-se, deixam-me contente
Sonho melodias, escrevo madrigais.
Quem viverá naquelas casas em ruínas?
Quem dormirá naquele tecto a desabar
As buganvílias púrpuras cor de crepúsculo
Não se esqueçam do cão preso sempre a ladrar.
Às vezes fecho os olhos, só para sentir,
O tipo de conforto que a noite nos dá
Por onde os meus fantasmas cheios de pensamentos
Na minha mente cantam do lado de lá.
Decifro, às escondidas, rostos curiosos
Uns, nada me dizem; porém, outros me inspiram
Um perigo gelado como a faca afiada
Que numa vida inteira amor nunca sentiram.
Por fim, o meu destino, eis o fim da linha
Diluído espreguiçar em sono e sonolência
Que mão nos moverá para o espaço invisível
Quando a Morte vier nos ler sua sentença?