Lá ia, eu, andando, absorto em nada e tudo Mãos nos bolsos rotos. sóbrio, cheio de vazio Perseguia-me na noite um rastro de perfume. Que flor se abria tanto e que cheirava a cio?
A brisa, essa soprava, vinda não sei de onde, Trazia na impalpável asa uma fragrância Um cheiro que atraía as pedras impassíveis Dos que no mundo julgam ter muita importância.
Hum, que cheiro intenso! Que inebriante olor! Que ser capaz na terra cheira a paraíso? Nem flor de laranjeira, nardo ou madressilva Têm este odor que em mim me cresce um narciso.
Segui na noite o rastro, abri portas no escuro, Fui desvendar mistério e eis que surge então, Exótica, sensual, abandonava à vida, Fazendo bombo ao meu musical coração.
Batia, a bom bater, o cheiro era do céu, Pudesse ter a fórmula do cheiro doce, Teria o meu jardim, onde lá me estivesse, escrevendo devaneios, como se um poeta fosse
Era uma flor erótica, era em flor aberta, Era um mamilo róseo junto à minha boca, Tinha corpo de Vénus vestida de folhas, Com ar de actriz moderna; ela tinha ar de toca.
Abria-se, deixando, que o ar respirasse, O meu nariz bem perto junto ao que nos chama, Como se abrisse mais as pétalas lançava O odor do desejo. À Noite, ela é uma Dama…
Não quero um amor que arda sem se ver Em mim há uma floresta que conservo, Uma árvore, uma flor em cada nervo. Recuso que esse amor me faça arder,
Pois sinto loucas ânsias de crescer Se é fogo, então que o amor me seja água, Para que torne extinta ardente mágoa, Que por dentro me destrói e faz sofrer.
Se amor for confundido com loucura, Trazendo o fogo que arde cego e louco Então quero que inventem outro amor,
Pois que não quero mais que essa ternura Viver dias que sabem sempre a pouco, Que me dão gozo e nunca me dão dor.