Sinto-me seco, rosa murcha, degradada,
Há muito que não chovem versos do meu ser,
Puseram-me no escuro, correram persianas,
Já nem sentir o sol mais posso ter prazer.
O piano, ao arrancar-me da realidade,
Vivo, melancólico e alegre ao mesmo tempo
Ainda contem água fresca no regador
Pra no Verão regar-me e ver-me ainda em Setembro.
Em volta, embatem perfumes violentos
Sinto-os como anjos vestidos de violeta,
Atravessam meu corpo, impalpáveis gotículas
Inspiram-me a avidez e boémia de poeta.
Despisto-me na curva da bela cintura,
Dum elegante cisne no corpo da mulher,
Que desliza e contagia em volta a multidão,
De corvos que a debicam com vulgar prazer.
Pergunto, se formiga fosse: e se viesse
Bêbado, um gigante com seu pé esmagar-me?
Tão frágil eu seria no orgasmo da terra
Quem viria socorrer-me, quem viria encontrar-me?
Desde o momento em que nasci ainda não tive,
Instantes de silêncio de diamante puro
Podia a vida ser um sono tão profundo
Vividos para viver na luz e não no escuro
Um melro na folhagem prende-me a atenção,
Com cânticos que soam a plena madrugada
Seu chilrear parece dar-lhe algum alívio
À sua solidão. Chama por sua amada!
Já muito caminhei só pra sentir-me amado,
E lânguidas rainhas sentadas no seu trono,
Que, só por serem belas, são assediadas
Por seres mergulhados num profundo sono.
Será talvez assim que canta o rouxinol
Que à noite vai contar a sua história amarga
Cantando noite e dia, à escuridão, ao sol
Pois que da vida a sua história não se apaga