O Moleiro Sádico
Fevereiro 22, 2011
Um cisne elegante ignora que costumo
Dormir ao relento junto dos portões mágicos
Da poesia, trémulo de frio, trémulo
como uma folha caduca do tempo. Ignora
Que um poema escrito é o álibi perfeito
Do assassino que sou do tédio inflamável.
Soubesse que devoro a cor das flores
Que respiro intensos perfumes das palavras
como fazer amor sem pensamento
como rebolar na erva arrepiada de orvalho,
saberia que o semblante enrugado e triste
É a máscara ocultando um sorriso
Encerrado no peito em segredo. Às vezes navego
Num galeão maleável no mar de gente
E do cesto da gávea minha alma grita
Excitada pela grande descoberta: “Beleza à vista!”
Tesouros escondidos do alcance dos olhos
Saudosos de lágrimas roladas no rosto.
Sorrio-te para que te desvies do meu curso
Contornável escolho, o meu olhar
Desvia-se do curso dos teus olhos doridos
Não te quero ouvir, não me queres ouvir,
Prefiro correr o risco de seres um deus.
Não sou melhor que tu por ser pirata
E resgatar a Beleza soterrada na areia
Terror dos navios carregados de vazio
Ruína e desgraça do tédio e solidão.
Tenho a mesma fome, a mesma sede
De carne e osso, ligeiramente mais feio
que miríades de estrelas, belas, imutáveis,
que a obsessão da terra assediando o sol,
Que a criação do tempo antes do tempo,
Dos eclipses, auroras boreais, tempestades
Por sentir-me bem neste presídio
Mole e sanguíneo, frágil e caprichoso
Com bocas famintas de corpos nervosos
Como crianças que brincam neste parque
De diversões, a que chamamos corpo.
Baco está presente em cada poema,
Escoltado por tigres riscados que nos rugem
Fora da jaula dos sentidos, verdades
E mentiras inéditas. Não sou melhor
Nem pior dos poetas fingidores do mundo.
Assumo-me em vão e salvo-me assim
Não para me toucarem de verde louro
Ou me ofertarem ouro, incenso e mirra.
É um diálogo mantido comigo mesmo
Preciso aceitar-me dentro e fora de mim,
Pois minha esperança reside nos versos
Que poderão servir de bóias às almas lançadas,
Ao mar do esquecimento, todos importam,
Mesmo o pensionista pedinte de óculos escuros
Respeitável, sujo, no retrato físico
Da verdade a que viramos costas
cobrindo os olhos cegos, insensíveis.
Sim, estou mais avariado que um electrodoméstico
tenho mais fugas que as condutas de gás,
Mais descontrolado que painéis electrónicos
Enlouquecidos por toda a economia
Mais embriagado que um alcoólico anónimo
Pois nem há cinco minutos eu bebi sôfrego,
Um poema que dilatara as veias do meu ser,
Respirando honestamente o ar pesado.
Tenho investido mais no amor
Que em todas as acções da bolsa,
Investidas, à força da ganância cruel
De ser material longe de ser gente.
Ó prados arrepiados pelo espirro do vento
Ó rosas coloridas de diferentes raças
Searas de gente anónima onde passo,
Que ondulam e sofrem as agruras do tempo:
Somos trigo condenado ao moinho eterno
E do topo do mundo um moleiro sádico
Ri-se desmiolado, perturbado de loucura
Coitado, por sofrer do tédio e do ócio
Assim como eu….