Um cisne elegante ignora que costumo Dormir ao relento junto dos portões mágicos Da poesia, trémulo de frio, trémulo como uma folha caduca do tempo. Ignora Que um poema escrito é o álibi perfeito Do assassino que sou do tédio inflamável. Soubesse que devoro a cor das flores Que respiro intensos perfumes das palavras como fazer amor sem pensamento como rebolar na erva arrepiada de orvalho, saberia que o semblante enrugado e triste É a máscara ocultando um sorriso Encerrado no peito em segredo. Às vezes navego Num galeão maleável no mar de gente E do cesto da gávea minha alma grita Excitada pela grande descoberta: “Beleza à vista!” Tesouros escondidos do alcance dos olhos Saudosos de lágrimas roladas no rosto. Sorrio-te para que te desvies do meu curso Contornável escolho, o meu olhar Desvia-se do curso dos teus olhos doridos Não te quero ouvir, não me queres ouvir, Prefiro correr o risco de seres um deus. Não sou melhor que tu por ser pirata E resgatar a Beleza soterrada na areia Terror dos navios carregados de vazio Ruína e desgraça do tédio e solidão. Tenho a mesma fome, a mesma sede De carne e osso, ligeiramente mais feio que miríades de estrelas, belas, imutáveis, que a obsessão da terra assediando o sol, Que a criação do tempo antes do tempo, Dos eclipses, auroras boreais, tempestades Por sentir-me bem neste presídio Mole e sanguíneo, frágil e caprichoso Com bocas famintas de corpos nervosos Como crianças que brincam neste parque De diversões, a que chamamos corpo. Baco está presente em cada poema, Escoltado por tigres riscados que nos rugem Fora da jaula dos sentidos, verdades E mentiras inéditas. Não sou melhor Nem pior dos poetas fingidores do mundo. Assumo-me em vão e salvo-me assim Não para me toucarem de verde louro Ou me ofertarem ouro, incenso e mirra. É um diálogo mantido comigo mesmo Preciso aceitar-me dentro e fora de mim, Pois minha esperança reside nos versos Que poderão servir de bóias às almas lançadas, Ao mar do esquecimento, todos importam, Mesmo o pensionista pedinte de óculos escuros Respeitável, sujo, no retrato físico Da verdade a que viramos costas cobrindo os olhos cegos, insensíveis. Sim, estou mais avariado que um electrodoméstico tenho mais fugas que as condutas de gás, Mais descontrolado que painéis electrónicos Enlouquecidos por toda a economia Mais embriagado que um alcoólico anónimo Pois nem há cinco minutos eu bebi sôfrego, Um poema que dilatara as veias do meu ser, Respirando honestamente o ar pesado. Tenho investido mais no amor Que em todas as acções da bolsa, Investidas, à força da ganância cruel De ser material longe de ser gente. Ó prados arrepiados pelo espirro do vento Ó rosas coloridas de diferentes raças Searas de gente anónima onde passo, Que ondulam e sofrem as agruras do tempo: Somos trigo condenado ao moinho eterno E do topo do mundo um moleiro sádico Ri-se desmiolado, perturbado de loucura Coitado, por sofrer do tédio e do ócio Assim como eu….