Insónia
Janeiro 31, 2011
Morfeu, não me deixaste entrar no teu palácio,
Fiquei na noite fria ao relento do que sou,
Nem sonetos de Camões, nem Odes de Horácio
A noite é de puríssima insónia onde estou.
O líquido rumor dos carros quando passam,
Despertam-me os sentidos ávidos de ter,
As belas iguarias do amor que ultrapassam
Mil obras de artistas que choram sem sofrer.
Meu cérebro, que autêntica máquina de costura,
Unindo velhos panos rotos do passado,
E a solidão nocturna afecta-me a postura
Na colmeia do fel, bebo o licor amargo.
Que triste sina a minha, ser soturno e triste,
Soubesse o mundo inteiro como me reanimo,
Oiço meu coração bater, nunca desiste
Hoje estou incapaz de igualá-lo no ritmo…
Se a caminhada é longa e torna a noite eterna
E vou pedir socorro às velhas fotografias,
Se na dorida insónia a solidão me interna
No esférico asilo, não haverá poesias.
Trémulas, as mãos arrastam-se no instante,
Falta-me a coragem expor o meu torpor
caminho nas ruínas do império degradante
à sombra de ciprestes esguios ao calor
Meu corpo mais parece goma de borracha,
Sinto-o reagir mais sóbrio à solidão,
Parece um velho oleiro que ao tempo se agacha
E assume no infortúnio pura desilusão.
Folheio a meio da noite, o meu Cesário amigo,
O poeta que parecia técnico de imagem
Repórter numa guerra, repórter do perigo,
que extraia beleza da lúgubre paisagem.
Mas não; como ele, eu hoje sinto-me frenético
Falta-me paciência, os olhos para ler,
Meu rosto semelhante ao dum velho esquelético
Sonha até ser impossível na Morte viver.
Vou à janela, o céu estrelado aborrece-me,
Como um casal ao longe acende a discussão,
Comove-me este homem que à mulher fenece
Por atiçar-lhe o lume à sua Solidão.