Já me levara a infância a barca desta vida,
Custa-me assumir ser animal adulto,
O chapinhar nas poças era uma descida
Alegre até à vida... sou sombra, hoje, sou vulto.
Será melancolia que o Outono traz
Atrás do sentimento imune ao mundo inteiro?
Há quem longe de mim me inspira a doce paz
Como o sossego fixo dum verde salgueiro.
E as coisas fascinantes, deixam-me saudade
Nos campos de neblina onde me cultivo
É sempre num poema que voo em liberdade
como o rochedo firme ao mar grita: “resisto!”
Os que mais ver queria vejo-os poucas vezes,
Vezes a mais eu vejo os que recuso ver
Correm chitas velozes anos, horas, meses,
E penso muito nisto e dói-me sem doer.
Confesso, às vezes sou lobo solitário
À caça da metáfora longe da alcateia,
Na cega teimosia do fulvo dromedário
Escapando nos dedos da gente como areia.
Procuro no silêncio a música tranquila
Como a melodia na voz dum rio corrente
Como desejo vê-la, abraçá-la, ouvi-la,
A que no céu escuro vejo nitidamente.
Escuto no silêncio de ouro igual ao sol,
No Inverno estatelado nas paredes brancas,
Sinto-me um relógio derretido, avariado
E tu, ó vida versos do peito me arrancas.
Cravam-se-me espinhos dolorosos, fundos
Da impossibilidade de voar outro céu,
Onde uma Lua linda ergue-se em segundos
Me banha de luar num céu igual ao meu.
Uma estátua de mármore muda, irreal,
Parece-me lembrar que pouco tempo falta,
Para encher-se de vida, de sangue mortal,
Como um purpúreo rio, corre na minha alma.
Como um guru saído da gruta sombria
Onde montanhas guardam vozes ancestrais
E tigres furiosos, rugem-me nos dias
Os seus gordos queixumes e fomes mortais.
Arbusto florescente à frente do meu lar,
Em confidência maga, cedes-me atenção,
E nem sequer de noite o vento veio ralhar
Sinto uma presença que me agarra a mão.
Sou aquela poça de água quando chove
Reflecte a Lua nela, e calmamente ondula
Não sei que amor me dá e ânsia e dor remove
Como quando uma boca a minha boca oscula.