Eu ando aos encontrões com mil metáforas,
Metia antes um cesto na cabeça
E de colhê-las tinha muita pressa
Mas soam-me somente a mil anáforas.
Repetições, iguais aos lassos dias,
O céu, ciumento, enconbre o astro rei
Há coisas que sabia e já não sei,
Sou profeta sem dizer profecias.
Sou qualquer coisa que caíra do céu,
Granizo, neve, chuva, ou gota de água,
Banhei a terra com sentida mágoa,
Que nenhum bem gerou nem floresceu.
Eu erro no silêncio insustentável
Das livrarias, e nas prateleiras
Encontro livros, línguas e fronteiras
Tentando contornar o incontornável.
Basta-me abrir as páginas de alguém,
Pra ver que não fui feito para tal,
E a cisma insuportável é meu mal
Cresce-me esta flor do mal também.
Drenou-me o tempo a fúria de escolher,
Entre ser mais que eu próprio numa altura,
Que escolhera escavar a sepultura
Onde florescem rosas sem se ver.
Longo epitáfio, o meu. Há quem insista,
Que apostar deva nesta vã carreira
De ser-se escravo até chegar à beira
Do abismo. Querem que de mim desista.
Não pode fora de água o peixe andar,
No mar, da rapina águias, falcões,
Na cidade, sobrevoarem gaviões.
Se voassem, o que teriam pra caçar?
Nasci numa atmosfera musical
Acolheram-me pianos e violas,
Trompetes e fagotes e pistolas
Fortes raízes do meu doce mal.
A minha pauta é o amplo céu azul;
Por ocas nuvens, vejo-o encoberto
E a melodia soa-me ao deserto,
Que na minha alma existe mais a Sul.
Ó nuvem ancestral do meu destino,
Mudam-se os ventos, mas fica-se igual,
Ó mundo gigantesco triunfal,
Fazeis sentir-me um miúdo pequenino.
Clarões ao longe, sinto aproximar-se,
A tempestade. Correm diligentes,
Negras nuvens mostram afiados dentes
Trovão! É a borrasca a preparar-se.
Como o entediante dia. Meus trovões
Bocejos soltos da fatal preguiça
De gladiador que, antes de entrar na liça,
Perfura com seus versos corações.
Que hei-de fazer? Eu penso tantas vezes
Pintar a desbotada e plúmbea tela,
Grotesca, convertê-la em coisa bela
Como um Ronaldo amado por ingleses.
Saudades, meus amigos, vossas tenho
Rasgam-me a pele com garras afiadas,
Bem sei que estais com vossas bem amadas,
Sinto-me só no mundo um pouco estranho.
Tal hobbit entre gente tão crescida,
Que as coisas foram feitas não pra eles,
Sou pele azul entre variadas peles
Escarpada e íngreme é-me qualquer subida.
Ah do condor não ter, a envergadura,
Das amplas asas, voar e desfalecer,
Até sentir o sol quente bater
Nas faces, névoa oculta de ternura.
Na poética lembrança há no meu peito,
Músicas por transpô-las para o céu.
Que glória insiste? Ignoro! Só me deu
Ter tempo, tal Cesário, ser perfeito.
Janela que olha igual sempre esta imagem,
Fechado num cubículo medonho,
de tédio, campo inútil do meu sonho,
Que primitiva e enfadonha paisagem!
Nem se ouve vir da igreja o sino a rir-se,
Rasgando o silêncio hora a hora
É a chuva copiosa que namora,
É minha esperança a demitir-se.
Eu posso despedir-me se esse for,
O meu desejo, mas que espessa sombra
Ter outra vida noutra vida assombra,
Qualquer mortal que sofre por amor.
Como um chapéu filtrando os apolíneos
Raios, filtro a vida que me engole
soltando imperceptíveis sons de um fole
Sei de desastres, ruínas e declínios.
A sensação andar sempre nas nuvens
O não sobrar tempo pra contemplar,
Inquieta ânsia: partir sem regressar,
São flutuações, amor, que nunca tens.
A tortura obrigatória estar presente,
Onde não querem nunca ausente esteja,
Não sobra tempo, nem sequer sobeja
Travar tamanho caos na minha mente.
Vivo o presente, contemplo o passado
Olho o futuro com indiferença
Como sentisse do alto uma presença,
Dum ídolo seguido e adorado.
Vou dar ao mundo o amor que há nos meus versos
Beijo eloquente em biliões de faces,
Meus versos são felinos, são rapaces
São meigas pombas e tigres perversos.
Alegra-te, ó meu ser complexo, instável
Pois beberás a clara luz num dia,
em que te encontres fora da Poesia
Triunfante num dia desfavorável.
Meu pai bem me dissera pra dançar,
Consoante a música, sou incapaz
Dançar o que outros não dá paz,
eis por que trilho sempre eu hei-de andar.
Cresci. Nem sei que escolhas foram feitas
Mal, por instinto ou fútil intuição,
Sei que meti-me nesta confusão
Amar as coisas belas tão perfeitas.
Que seja crime, eu hei-de ser julgado,
Por desperdício ou não da minha vida,
Lenço branco a este poema, a despedida,
Esmoreço, igual, à tarde, o sol dourado.