NUNCA MAIS, 2009!
Dezembro 31, 2009
Nunca irei esquecer-te, Inverno, escuta agora meu gemido,
Ouvi-te o discursar de chuva e vento. Pára um pouco,
Que no mundo, inconsciente, geme e chora, anda perdido
Consciente por que vive. Escuta, Inverno, quem é louco,
Faz-me a vontade: inspira fundo e espera
Pois quem não é ouvido, desespera.
Pois é hoje último dia, trinta e um do teu Dezembro,
Mês gritante, onde engravidas nuvens negras pinceladas,
De pavor e tirania, que outro Inverno não me lembro
Do dilúvio andarmos perto, de árvores nuas arrastadas,
Correndo novos rios caudalosos,
Ouvindo o uivar dos ventos pavorosos.
Dá vontade de apupar-te, de lançar-te imprecações,
Mas respeito, ó céu senil, pois repetes dia a dia
Vento e chuva, frio e neve, lençóis de água, inundações.
Seja poste este poema, que me agarre à Poesia
Que sirva de ombro amigo, minha gente
Esperemos que o sol surja no oriente.
Mais não peço ao mundo esmola, deixarei de ser mendigo,
Servirão meus olhos loucos à procura de sustento
como a pomba seu conforto, aconchego, bom abrigo
Ou pastor perdida ovelha, ou filósofo pensamento,
Ao poeta imenso verso que lhe dê,
Calor humano, sem saber porquê.
Como aquele que vivia de saudade e solidão
Longe da mulher e filhos, rodeado de alva neve,
No exílio amargurado, aquecendo o coração
Pois que dera angústia a Augusto, assim a pena minha escreve.
Se o ferro e fogo apagarão meus escritos
Ignoro. São meus ecos, são meus gritos.
Meu martírio de cantar às escondidas, neste ofício
Que devorador me engole, esmaga sonhos passageiros
Que meu espírito iluminam, rosas brancas no suplício
Belas flores bem entregues aos meu versos jardineiros
A alma é meu jardim que alegre cuido
O corpo caprichoso é meu descuido.
Vejo-te, Dois Mil e Nove, como um barco que se afasta,
De bom porto pelo mar, cauteloso mas seguro,
E ao fitar-se o horizonte, vê-se onde o tempo se gasta
Se bebido num momento, na Beleza que procuro,
Que dói lembrar-me que tudo tem fim,
Antes que chegue, amemo-nos. Enfim…
Como um abutre avista, ao longe, o pobre animal morto,
Logo aquele e outro atrai, vão compondo um ramalhete
De lúgubres rosas negras, que me criam desconforto,
Vêm Tristeza e Solidão sedutoras de corpete,
Beijam-me, afagam-me com mil carícias
Enchendo a minha boca de delícias.
Dão-me os dias aspereza, fome e sede para erguer,
Memoráveis monumentos com mil cânticos poéticos,
Dá-me a fúria bater asas, dá-me a ânsia de querer
Viver versos escritos, tão delgados e esqueléticos
São marionetas lúdicas da alma,
que insaciável quer mais ter que calma.
Fotografo tudo à volta, tudo guardo, colecciono.
A Divina Inspiração está nas coisas que me ocultam
Mil enigmas, mil mistérios que meus olhos direcciono
A espantosas obras feitas, que no Céu e na Terra avultam,
Igual à longa seara que termina
Aonde a vista alcança e me fascina.
Longe de curiosos olhos, na penumbra, atento alheio
Aos gestos que esta vida teatral se manifesta
Cubro o papel virgem branco, com esmero, sem receio
Como se fosse esta via, meu consolo, alegre festa,
De tilintar de copos cheio de gente,
Que sinto dar dentro da minha mente.
E aquele vale escuro onde dois rios se beijam
Em passeios sucessivos, caminhando num tapete
De húmidas folhas fulvas, onde as árvores cortejam
As águas transparentes, onde tocarei trompete
Num sonho pastoral de aves pousarem
Por perto, e a melodia escutarem.
Onde renovo o citadino e gasto sentimento
Andando de mãos dadas, com meu pequeno Cupido,
Que seu piar mavioso encanta, eclipsa meu tormento
Melodia angelical, Éden do Paraíso Perdido,
Que arranca um riso a deus se mal disposto
Sou neve a dereter-me a olhar-lhe o rosto.
Nos meus olhos apertados, tudo brilha à minha volta
Como poça de água de óleo, prateada de luar
Como fixas, as estrelas, serviçais da Lua, escolta
Cintilando brandamente, como um doce soluçar,
Espiãs da Vida, guardiãs da Morte
Desta maldita e abençoada Sorte.
Meus amigos espalhados, separados à nascença
Da amizade inexprimível (já lá vão vinte e três anos),
São pilares, alicerces, templo antigo, simples crença
que não há melhor remédio que aliviam nossos danos,
Vós que dais cor aos dias sem vos ver
Grito convosco: “Querer é Poder!”
Poucos são os dias claros que em uníssono cantamos
Nosso hino, honrando aquela que “tão bela e tão ridente”
Foi a casa onde crescemos, que tão pouco visitamos
Águia real de asa ferida, abandonada, decadente,
O vasto império azul de que me lembro,
Que ecoa forte ao chegar-se a Setembro.
Nunca mais, dois mil e nove, chegarei a visitar-te,
Cravas-me agudo espinho de escreveres: “Nunca mais”,
No papel do Tempo eterno, possa ao menos embalar-te,
Na canção intemporal, compondo versos musicais,
Ouçamos o silêncio a amotinar-se
E a todos, um Bom Ano a aproximar-se.