Será o fim ou fase do princípio,
Deitar ao rio as pedras que esculpi?
Chego-me tão perto ao precipício,
Mas olho pelo ombro o que perdi.
Os plátanos da infância, aquele dia,
Que a claridade pura era divina,
É esta a cor, da infância, na poesia,
Que quero, transparente e cristalina.
Arda-me o fogo vivo até que tombe,
Em ti, mágico, creio, ó arquitecto,
Das coisas belas, meu portão arrombe.
Que universo existe num objecto!
Floresce a mais singela e pobre linha
Dou-me ao colorido deste mundo
Verta o licor sagrado que da vinha
Vem, neste palácio, meu profundo.
Pondera, coração, não sejas triste
Tristeza para a alma, é um veneno
Com a Beleza, alegra-te, resiste:
Floresce nesse teu rubro terreno.
Ouve as canções das árvores nas folhas
Efervescente quando o vento passa
Os peixes que, na água, fazem bolhas
Contempla, em cada flor, a sua graça.
Como o jovem falcão no seu baptismo,
De voo perigoso, audaz, se lança,
Ganhando nas alturas seu lirismo
Valiosa independência e confiança,
Assim me quero, sempre que me lanço,
Deste monte poético, que exprima,
Aquilo que incapaz sou de dizê-lo
Capaz só no papel branco, na estima
E possa alguém sensível vir a lê-lo.
O que de mim seria se não fosse,
Das coisas belas, límpidas, amante
Mistério que no tempo revelou-se
Uma tortura ser-me interessante
Ouvir-te, ó mar eterno que costumas
Tornar escura a clara e fina areia
Ver o sol vencer névoas e brumas
Ver maravilhosa, a Lua cheia.
Mas quando atingirei a perfeição,
Se é coisa cá na terra ainda possível,
Soltar a voz presa no coração
Mesmo que digam ser coisa impossível?
Aquela sintonia harmoniosa,
Aquela solidão que vale a pena,
O esforço que da pena rigorosa
Muito me ajuda na vida terrena.
Serve-me de aguarela meu poema
De magro prémio de consolação,
Na alma, uso lapela, bela emblema,
Saber se realidade ou ilusão
Se vivo morto ou durmo acordado
Se amor é fantasia, mito ou lenda
Ah, véu oculto, não ver-te rasgado
Porque não espero que haja alguém que entenda.