Lembrar-me-ei do amplo céu que via,
Há vários anos, cómico e bondoso,
Nos últimos momentos que dizia
Como era raro ser vitorioso.
Entre a verde folhagem, negra a ave,
Cantando, me convida e me seduz,
Ah , se no tempo não houvesse entrave,
Daria à sombra e treva minha luz.
Coisas que amamos, delas dependemos,
Flores não colhemos, contemplamos,
Muros que saltamos, uns erguemos,
Quando num sonho outro sonho plantamos,
A mágica rotina ressequida,
Como caídas folhas no regaço,
Do meu desejo igual na investida,
Cobrir de tinta preta o branco espaço.
Ah, esta cisma ou birra minha, amada,
Mãos rudes que me empurram sempre em frente,
Atrelam-me asas de ouro, estendem escada,
No sombrio lugar da escura mente.
Sentir é um privilégio de quem vence
Lugar onde se fixa pensativo
A que domínio a minha alma pertence?
Quem morto não se sente? Quem está vivo?
Compacto bando negro de estorninhos,
Nuvem benigna, à escuta do falcão,
Já levam planos feitos dos seus ninhos,
Façam-no, amigos, no meu coração.
Ave não sou. Sou quem ser ave anseia
Voar, convosco em bando, em debandada
No ar que livremente devaneia
Onde não há partida nem chegada.
Tinge-se, ao longe o céu de tons violeta,
Cumpre-se mais um dia sem cumprir-se
Cumprir o que nosso íntimo decreta
No fim, nunca deixando a vida a rir-se.
É quase uma comédia este estar vivo,
Lúcido às vezes, várias tresloucado
Lugar onde me fixo pensativo
Retrato onde me vejo retratado.
Mais tarde estará escrito pela mão
Do tempo, longas linhas no meu rosto
As vezes que ignorara o coração,
Ocultarão meus olhos um sol posto
Ó vibrantes acordes da vontade
Vibrem-me uma vez mais à luz do dia
Daquela Ode à Alegria, a liberdade
Que nos dourados dias me prendia.
Já percorri longa e mortal distância,
(Este sentir que nada percorrera…)
Já me envolvi nos braços da ignorância
(este sentir que nada ainda aprendera)
Que deixarei de válido, uma herança
Enquanto vivo, mais quero criar,
Vivo num flutuar de haver esperança
Qual criança à espera que a venham buscar.
Há coisas que só digo ao céu, às estrelas
Nos versos que me servem de consolo,
Por ter apego às coisas que são belas
E com elas me deito, amo e rebolo,
A música que a chuva às vezes faz,
Ao que dizer pretendo é semelhante
A cor destas camélias satisfaz,
Quando se anda por círculos de Dante.
Das verdejantes sombras dos salgueiros
Que cobrem de luxúria verde o rio
O cheiro abençoado dos pinheiros
Como enriquecem se sinto vazio
A cor de cada flor, traz-me um recado
Do céu que nos vigia observador
Como se fosse dele encarregado
Escrever e divagar sobre este… amor.
Dizem-me que esta vida não são rosas,
Mas digo-vos que podemos plantá-las,
Que ideia sermos almas langorosas
Se podemos em vida embelezá-las?
Meu espírito flutua para fora,
Da senda em direcção ao meu destino
Beleza, onde estarás a esta hora
Sai do teu lar profundo e cristalino?