Se me abres o teu seio sem receio
Se abraças meu querer como te quero
Se os olhos não mos vendas, amor, creio
Que não sucumbirei ao desespero.
Mas se entre nós escavas fundo fosso
Como poderei ter-te entre meus braços
Se esse silêncio aperta-me o pescoço
E as carícias são dores e embaraços?
Agora que me encontro nesta estrada
Melhor não encontrando outra saída,
Confesso: no papel, gritarei alto;
Porém, dou-te repouso, minha amada.
Já que não vejo a empresa conseguida
Levanto o cerco e cesso o meu assalto
Já quantas vezes, minha amada, nos perdemos,
Entrelaçando mãos, bebendo juntos choros
Sofregamente, quantas vezes nos perdemos
E nos olhámos de diferentes miradouros,
Os dedilhados mornos que te enlouqueceram,
No doce entardecer, quando mostrava calma
E os lábios que beijaram em ti e se perderam
Por onde deleitosa andava a minha alma.
E os versos que escrevera enquanto adormecias,
Na cama com lençóis molhados de luar,
Fantásticos ardores, onde mais querias
Que fosses a rainha do meu despertar?
Quantas vezes te disse amar-te sem papel,
E tu te apercebesses como por ti reclamo,
Untei minhas palavras no fulvo e espesso mel
Usando nome amor, nome por quem te chamo.
Confesso ter secado o seio à inspiração,
Deixá-lo é meu receio, um acto de loucura
Além da minha língua, a de meu coração
é onde encontrarás enleios de ternura
Este amplo céu azul limpo, impecável
Com gesto ternurento, abre-me o peito
Mudando um encolhido e brusco jeito
Incita a ser bondoso, a ser amável,
E o sol é aquele amigo que se fala
Mudando o enredo à nossa peça trágica,
Lançando sobre o mundo a luz fantástica
Traz música com cor que nos embala.
E regressando ao lar, há um jardim,
Em que se vê o céu do início ao fim,
Riscado com nuvens esfarrapadas,
Parece estar no céu escrito um poema,
E o sol é uma lapela seu emblema
Que conta à Terra histórias encantadas.
Se híbrido e vazio me encontro fraco,
O que haverá que possa, amor encher-me
Quebrado como um jarro, fico em caco
Com medo de perder-te e de perder-me,
Se não me encontro fraco, é porque peço
As palavras que nem anjos me ditaram
Preciso de virar-me do avesso:
Chamo os versos que costas me voltaram.
Foge-me o chão que piso na cidade
Sobe-me de súbito a tontura
De me lembrar que encontro liberdade
No mármore da minha sepultura.
Agora, quase arranco do meu peito,
Os versos, como se fossem raízes
Eu amo-os por não terem preconceito
De adorarem também os que me dizes.
Eu roubaria a aurora de manhã
Compondo com a cor que pões nas faces
Se fico na entrada do amanhã,
À espera que também, amor, não passes.
Não entres no Amanhã. Esse jardim
Têm flores venenosas no presente
Usa o perfume doce do jasmim,
Engana a mais astuciosa mente.
Falhei vezes sem conta nesta vida
Débil e imprudente agia em estar,
Noutro lado, onde andava a alma perdida
Mas onde havia um altar pra a alma orar.
Tentei louco deixar ser tanto assim,
Mas quando vamos contra a natureza
É como se violasse esse jardim
Com explosões inúteis de incerteza.
Tornei-me da Beleza fiel amante
Tornaram-se meus olhos dois falcões
Bebi da noite o néctar, triunfante
Que nos embala, abrindo corações.
Não sei olhar ninguém sem que não olhe,
Em cada rosto há mágicos mistérios
Espanto, no fascínio que não escolhe
Nos rostos, uns alegres, outros sérios.
Levas-me a mal? Não creio! Eu acredito
que a vida sofre alegre na vaidade
Desfaço-me em pedaços neste grito
Contido, por cheirar a Liberdade.
No fim da tarde é quando silencio
As sensações que tento transformar
Em verso, sem que fique neste frio
Morrer desperto, sem grito soltar
e sonho que sou águia que pairando,
sobre o rosto que busco a perfeição,
E sonho ser poeta declamando
Perfeitos versos feitos na solidão.
Surge-me o mundo como um mar profundo
Como se lá morasse, ouvindo atento
O silêncio marítimo, rotundo
Vivendo nesse sonho, em pensamento.
Tenho este ar que respiro e me consola
Nasci como se não escolhesse um nome
Sou como aquela bola que rebola
sou o lúrido fogo que consome.
Sobe espesso o fumo do cigarro
Da boca, leva o vento, sai a vida
Que tem tanto de beijo como escarro
Sai como um sopro igual na despedida.
Recuso a sonolência, o conformismo
Que existe em cada lar, onde se rasga
Escondidos episódios de erotismo,
Onde a mentira na boca se engasga.
No embalar da noite é que sossego,
Podendo ter o bálsamo da música
Ah, doce esquecimento a que me entrego
Solto das leis da química e da física.
Pensando que nem tudo é matemática
(Como é que um sentimento se equaciona?)
Eu sou igual a zero quando, apática
A minha alma se dobra e se abandona.
Já vejo no Oriente o sol erguer-se,
Já guardo num segredo íntimo e mudo
Um raio de esperança quando tudo
Escurece à volta! E sinto-o envaidecer-se
As terras que nós juntos exploramos
Adão e Eva alegres de mãos dadas
Unidos, duas almas sobressaltadas
É pouca terra, amor, que palmilhamos.
Há quedas de água como estes poemas,
Podemos repousar por um momento,
Enquanto um pensamento me floresce,
Que nada é trivial nos nossos temas,
Nem há melhor enredo ou argumento
Que ver que bem que o nosso filho cresce
Pareceu-me um melodioso violino,
A contorcer-se num nervoso impulso,
O que tem ar, é sólido e benigno,
Converte-se em maligno (e quer ser expulso)
Mas mãos macias, musicais têm dons,
Despertam no violino que seguras,
Milhões de benefícios, vários sons
Que espantam fúrias e ânsias inseguras.
Nota as notas várias denotando
Haver música em mim que vou criando
Num vulcânico louco e terno abraço,
Por querer ter-te e não poder tocar-te,
Não há música que valha ou qualquer arte
Sofrendo do síndrome de palhaço
Se o tigre ou eu? Não sei quem tem mais fome,
Se meu rugido é mais alto que o dele,
Se o camuflado igual à sua pele
Eu ponho nos meus versos o meu nome.
Mas neste esconde-e-foge que retome
A mesma dança erótica que inibe
Um coração mais frágil que proíbe
O fruto que se trinca, que se come.
Deixa-me entrar de vez na barca frágil,
Que escondes no teu corpo lindo e ágil,
No mar revolto em ondas de recusa,
Um dia hei-de encontrar melhor remédio
Travando este alastrar do imenso tédio
Que é estar só, por não estar contigo, Musa!
O livro aberto em minhas mãos ansiosas,
A luz fraca do escuro candeeiro,
O refrescante odor das tuas rosas,
À noite, um céu soturno e desordeiro,
Lá fora, a copiosa e grossa chuva
O lento começar do temporal
E o beijo que me falta, o olhar me turva
Como se houvesse nisso tanto mal.
Ah, não ser este vento fustigante,
Que em liberdade grita a dor que sente,
Ah, esta noite não ser noite errante,
E dar-te os tons da aurora lentamente
Quebrando este silêncio de diamante
Por não ouvir-te rir tão de contente
Amor, é de manhã que mais me custa,
Olhar-te o jovem corpo ainda em flor,
E o deslizar do tempo é que me assusta
Por me secar os meus jardins de ardor,
Onde uma orquídea tem teu nome escrito,
E o cravo carregado de vermelho,
Sorri-me e altivo diz: “como és bendito
Mas lembra-te que serás um dia velho!”
Amor, é de manhã que me contorço,
Nas formas e nas curvas que possuis
Dói-me cravar-te o olhar e desviá-lo;
E a noite, quando aperta o meu pescoço
Risca com negra tinta ânsias azuis
P’lo corpo que só posso contemplá-lo
Parece que me ausento por um pouco,
Num voo imaginário e peregrino,
Como se fosse um pássaro ou um louco
Voando em direcção ao meu destino,
E ler as linhas tortas que estão escritas,
Ditadas pela voz só do meu peito,
Ó voz que vem do mar, como me gritas,
E descreves melhor este meu jeito,
Nem lábios a saber a sabedoria,
Nem braços descrevendo doce amplexo
Ou rosa rebentando em alegria,
Ou espaço iluminado, amplo e complexo
Desabrochar corrente em harmonia
Reanima o adormecido e ávido sexo.
Que bela orquídea! Que bela rosa,
Nem sei qual é a mais formosa,
Que bela sonho! Que bela ideia!
Uma é a ninfa, outra é sereia.
Que belo ideal! Que belo indício,
Do fim do qual é meu suplício,
Que viva cor, da cor do lume,
A outra é fogo que arde em ciúme.
Que haste firme, no átrio presente
Que bela tela que pinto em mente,
Que outros tiveram na graça e cor,
Que pintam ébrios telas de amor.
Que belas estão ao lado de uma,
Mas defronte não há flor alguma
Há a imagem do que ser poderia
Se andasse sóbrio de noite e dia
Até que fique tonto, até que me liberte,
Até que me decifre, até que me esclareça,
Até que livre fique, até que me desperte,
Não deixarei que o Inverno me escureça.
Até que me ilumine, até que me revele,
Até que fique a chuva, até que sopre o vento,
Até que me arrepie e se me enrugue a pele
Vou guerra declarar ao meu tormento.
Até que faça chuva, até que faça sol,
Até que na montanha a neve se derreta,
Até que a morte estenda o seu negro lençol,
Eu serei o que a minha alma decreta.
Até que seja noite, até que seja dia,
Até que encontre o fim no rotundo universo,
Até que deus se farte desta filosofia,
Eu lutarei co’a espada afiada em verso.
Até que andem despertos meus cinco sentidos,
Até que não me perca num bosque encantado,
Mesmo até que meus versos nunca sejam lidos
Não me darei - nunca! - por derotado.
Quem vem calar a fúria deste vento,
Levar as gordas nuvens de discórdia,
Que vem alívio dar ao pensamento
Que aspira à luz divina da concórdia?
Quem vem sugar a névoa ou nevoeiro
Horda de espectros húmidos de Inverno
O temporal, rufia e desordeiro
Que traz o grito atroz do ardente Inferno?
Quem vem trazer-me a mais bela metáfora
bebida só por almas mais sensíveis
Que passa num segundo e vale uma hora
Ferindo almas rochosas e insensíveis?
Quem vem falar-me sobre literatura,
De música, pintura ou poesia
Trazer-me a mais excelsa partitura,
composta pela clara luz do dia?
Quem vem tirar-me o peso da cabeça
Queimando as plumas negras deste tédio
Imenso que há no vício, peso e pressa
Sofrer da eloquência manso assédio?
E as máscaras da gente que se esconde
Por trás de um manto escuro de veludo,
Fingido terem títulos de conde
E são tão condes como eu sou, contudo.
Quem vem tirar da funda depressão
Leões e tigres postos numa jaula,
dar alívio à forte compressão
Que existe dentro de uma sala de aula?
Quem vem dizer ao rico que a alegria
Por mais um pouco espanta a ávida Morte
Que nos murmura de noite, de dia
Que acabará um dia a nossa sorte?
Quem vem pôr num altar alta virtude
No chão esmagada pela estupidez?
Pode ser que um dia tudo mude
Dando à virtude o seu lugar de vez.
Quem vem rasgar as vestes da vaidade
E desnudar-lhe o peito ressequido
Contar-lhe como finda a liberdade
depois que pelo humilde foi vencido?
Quem vem tornar possível o impossível,
Tornar dúvidas em esclarecimento,
Na perfeição suspensa no Invisível
Beber da fonte do conhecimento?
Sou terra em cinza, um árido deserto
O fumo da queimada, não no lume,
Tão leve, alienado não desperto
Nem sei se num poeta isto é costume,
Tão pouco tempo é tempo que não tenho
E não arder por dentro, em mim, é estranho.
Corro a ver se encontro o céu que fiz
Se ainda lá estão as estrelas que criei
E os sonhos e os planetas que desfiz…
Se viverão no Tempo? Isso não sei
Deu-me prazer pensar no que podia,
Criar e erguer com alma e Poesia.
Mas basta de lamúrias e lamentos,
Que pouca força dão e força nos tiram,
Levem-me, versos meus, maus pensamentos
Por tê-los, vossos olhos se reviram
Por certo, minha lira vibrará
Novo acorde, onde um poema lá estará.
Da rosa, amo a saudade no Inverno,
O que me prende o passo quando passo
Logo do meu declínio me desfaço,
Pois sem Beleza, amor, mal me governo.
Nos seus lábios vermelhos há um beijo
Ardente, que me prende e me devora
é muito mais que libido ou desejo,
É um novo alento que me revigora.
Também da margarida ou branco lírio,
Da violeta ou da dália oferecida
Do cravo que nos crava manso olhar;
Em cada flor se lê: “Eu sou delírio,
Dos amantes, dos poetas, e vencida
Ficarei a quem vier me contemplar.
Já espero ansiosamente que esta hora,
Termine sua graça de não tê-la,
Ao mar arremessá-la, não mais vê-la
por ousadia de mandá-la embora.
Já espero inquieto rubro sol que anima
Me dure, enquanto abrasa o céu no fundo
Já espero mergulhar mais num segundo,
Que a hora em que me alegro é cristalina.
Horas brilhantes que as não busco estão,
Escondidas nas nuvens, no céu e sombra
Que se arrasta e que nunca se vindima,
Horas de tédio estão na minha mão,
É carne que me tenta, que me assombra
Que nunca me trará melhor estima