Deixa-me andar seguro na incerteza
Apenas de saber coisas inúteis
Penso que ninguém tem bem a certeza
A ressonâncias soam, vagas fúteis,
Deixa-me, num momento, esta leveza,
Minhas certezas poucas me são úteis.
Eu nunca tive uma grande ambição
Assim terrena, humana enorme e digna
Bem sei que já vivi numa ilusão
Senti o odor de qualquer flor maligna,
Ouvido enconsto ao teu bom coração
Meu anjo, minha alma, flor benigna.
eu quero-me com pouco que ainda tenho,
Do pouco que se tem, me sabe a tudo
Sinto o cansaço apenas de ser estranho,
Sem máscaras de Carnaval, sem escudo
Ignoro aonde vou, sei donde venho
Lembrando meu passado, não me iludo.
Fiquem com jóias, carros, com herdades
Com vícios gordos, com magras virtudes,
Fiquem também com funestas vaidades
Que eu ficarei com minhas atitudes
Que tudo guardo junto das verdades,
Coleccionando-as, mesmo ásperas, rudes.
Difícil é manter-me tão desperto,
Como este sol que traz esclarecimento
Mesmo que tenha aspecto de deserto
Sopro de vento do meu pensamento
De noite é quando mais sinto este aperto
Em que me lanço ao mar do esquecimento.
Há quem muito se esforce a ser diferente,
Há quem tatue os braços com mil cores,
E troque o belo corpo pela mente
Sofrendo nestes climas dissabores
Se sou feliz em ser da selva ausente
Se me contento em contemplar as flores.
Se nunca sou capaz de ser correcto
Pois sou aquele ser mais que imperfeito
Se não há lei nem regra, nem decreto
De parecer feliz, normal, perfeito
Prefiro andar soturno e circunspecto
Se for meu natural e próprio jeito.
Pois neste aspecto inútil sou proscrito
Pensar ser outro, mesmo que me odeie,
Soa-me como um abafado grito
Por entre a multidão que me rodeie,
Ficará de meu só o que tenho escrito
Mesmo que a fronte o mundo a mim meneie.
Sentir-me pleno em vida, é meu intento
Ouvir vozes marítimas, selváticas
Sentir-me sem qualquer encobrimento
No fundo, ouvir as plantas aquáticas
Entendes esse mar de esquecimento
Onde incertezas todas ficam extáticas?
Ouvir correr o sangue em minhas veias
Ouvir o pipilar do coração,
Ouvir cantar nas dunas as sereias,
Canções, versos que nem sequer lá estão
Ouves? Claro que não. Estranha meneias
A fronte, como outros que nem lá vão.
Da natureza, eu hei-de ouvir-lhe o canto
Que grita, em voz aflita, por socorro
Que eu junto a minha voz, a mão levanto
Pelos campos, um rio onde me escorro
Não chego a ser de leito largo a tanto
Antes que chegue este tempo, não corro.
Saber-lhe os nomes todos como prova,
Da minha honra maior sincera e dura
Seguir-lhe os passos onde se faz cova
Funda, onde a idade é já madura
Vendo chegar a deusa que renova
Enchendo de Beleza a terra escura.
Seguir ansiosos voos de andorinhas,
Das pombas e dos melros, das gaivotas
Seguir também com tuas mãos nas minhas
Ouvindo o canto que da boca brotas
Andando pelos prados, pelas vinhas,
Nas sombras, onde aves te são devotas
Ouvir dos oceanos harmonias
Chegar sem que se dê conta do Mundo
Ouvir também o canto das Harpias
De noite quando o canto é mais profundo
Ouvir e ver o sol banhar os dias,
Viver a vida sóbrio num segundo.
Já não me importa esta misantropia
Minha, vivo apenas, tudo cansa,
O que me importa outra filosofia
Além, amor, da minha que descansa
À sombra duma árvore vazia
Apenas dando fruto da esperança?
Basta-me ver como teus dedos pões
Dentro das mãos macias e mimosas,
Olhares, valem mais que solidões
como o despertar dos botões de rosas
Olhares, são crianças, são piões
Girando à volta alegres e ociosas.
A minha angústia é por não poder ver
E estar, co’ o mar as vezes que pretendo
Ouvir-lhe a força imensa, alto poder
Os verso de Sofia aparecendo
Na areia, branca espuma a revolver
Enquanto o sol no mar vai recolhendo…