Dentro de um cubículo... e se de repente
Estalasse dentro de mim uma fúria compulsiva
Deitando tudo a perder, ardesse por inteiro
E transformasse em cinzas o mundo que criei
E me dissesse falso, em vida, um cadafalso
Um mentiroso em verso que diz sentir
As máquinas complexas do pensamento?
Um espasmo arrepia-me num sopro o corpo inteiro
A alma rebola pela ladeira de relva verde
Num jardim no Paraíso. Estarei lá, não é preciso
Pairar sobre o abismo separando-me do real
E do irreal, do que comove e me perturba
Do que me chama à razão e logo a chama
Arde-me nas veias, sem veias, mil veias
Profusas dentro, interno de mim, fora de mim
De ser um átomo nesta vida impaciente
Ansiosa, meiga donzela, a ansiedade
Persistente. Ah, se todo o amor soasse assim
Valeria a persistência de Verónica bondosa
Enxugaria as lágrimas dos rios e dos mares
Acolheria todos os pássaros que voassem
Perto do banco de pedra onde me sento
Todo o dia, sem pressa, sem cansaço
Fechado num quarto escuro de silêncio,
Abraçado por milhares de braços femininos
Nos jardins da Babilónia antiga e nova
Pouco importa. Cheira-me a um perfume
Fresco, azul, suave, límpido, puro, vindo
Das florestas encantadas por onde Adónis
Andou, atraindo a atenção fervorosa de Vénus.
E quem me diz que um dia não a verei
Passar à minha frente e sentar-me, ouvindo-a
Contando as mesmas histórias ao mancebo
Por quem se apaixonou? Sei lá! Um dia
Derramarei sobre a cabeça as cintilantes estrelas
Caindo a pique todos meteoros e cometas
Setas de fogo, mísseis e morteiros
Lançados pelas bocas espontâneas das deusas infernais.
Por vezes desperto-as, fúrias dentro de mim
(sim, meu amor na terra e no Invisível,
Liga-lhe a dizer que estarás a tempo e horas
No sítio combinado onde eu me apresso para sair.)
Agora, calmo e suspenso num lago de vidro
Vibro mais que mil guitarras juntas,
Distorcendo a voz fecunda de mistério
Saboreando lábios frescos, água límpida
Dos lagos que um dia irei drená-los
E afogar-me neles, num êxtase prolongado
Abandonado, suave, brando, plácido
A placidez dos mortos, a calma heróica, firme.
(O quê: ele disse-te isso?
Quanto tempo é preciso hibernar nos troncos,
Das árvores, para que esfrie a estupidez?
A estúpida e desnecessária conversa vem,
Como um baloiço velho, rangendo a nada)
Um dia, sempre um dia, só num dia
Rasgo-me diariamente a pensar nesse dia,
Peso-me na balança de Témis, a ver se o dia,
Pesa-me mais pensar nele do que pesar-me
Tarde, de me encontrar no equilíbrio,
De quem não ama, chora e sente sofregamente
De refrescar-se na sombra verde escura,
Dum frondoso e vaidoso salgueiro junto de água
Roçando levemente os ramos no belo rosto do rio
Pedindo quase que o lave e leve
Aquela verde transparência bela e eterna.
Onde está o Jacinto que Apolo feriu,
E Dafne chorando dentro dum tronco de loureiro
Onde está Juno perseguindo o Velho Júpiter,
(Mesmo sendo o Pai dos deuses presta contas
À esposa que o não larga, que o vigia)
Onde está Mercúrio tocando a suave flauta
Pesando as pálpebras a cem olhos bem despertos?
Onde andam Galateia e Aretusa?
Certamente, andam nas compras, pelas montras
Comprando pulseiras, fios e diamantes,
Rendidas ao encanto da humanidade inteira.
E aquelas ninfas de cabelos verdes
A refrescarem-se nas piscinas azul turquesa
Rodeadas de palmeiras, música e bebidas
De néctares ou vinho sempre vertidos por Baco
Completamente embriagado, ainda a maldizer,
De toda a raça Lusa em frente ao mar Atlântico?
Mas tudo se dissipa, tudo se quebra. Ouve-se
Ao longe, onde o horizonte nos separa,
O conhecido do que se vai conhecendo
Um trovão acompanhado de um clarão
Que esclarece a noite num momento curto
Assim cessa a minha Ode à minha Loucura,
Nas coisas em que penso quando falo a alguém
Se entrelaçado nas perguntas desnecessárias
Como aquele que falou à minha bela Musa
De tudo o que me mata, me rói e me deprime
Na estima de ser-se vivo, amando no presente
O momento derradeiro, na busca vã da vida
Onde se vive só sem haver busca alguma.
Pouso num ramo da árvore de mim
Enrolo-me o bastante para me chamar serpente
De reluzentes escamas, de boca cor da noite,
Dizendo que me venha tentar agora
Enquanto existe fôlego, centelha
De escrever os versos sem que escreva versos
De propagá-los como se propaga a praga,
De insectos pelos campos cultivados,
De caminhar por pomares riquíssimos,
De frutos saborosos, de ideias e poemas
Que colho agora um, e depois outro,
Para que possa ter a boca fresca quando falo,
À frente quando imagino toda esta Ode inútil