É dos exaustos rostos miseráveis
Que apaixonadamente amo e contemplo
Sem visitas da nobreza execráveis
Erga-se nesta voz sagrado templo.
É nos rostos vincados de tristeza
De angústia e de amargura sem ternura
Que extraio a púrpura cor com subtileza
Por não poder olhá-los com doçura
Cuspo o leite amargo da miséria
Rasgo estes andrajos, as vestidas
De noiva que a vida sonha galdéria
Casar-se como a Morte e margaridas.
Olho-os, amo-os, beijo-os e abraço-os
Molhados de suor e de imundície
Corro para o papel escrevo-lhes traços
Versos que ninguém melhor os disse.
Ó jovem rapariga que não dormes
Irmão, que vincos tens nos olhos mudos?
Que estropiados membros e disformes
Desejos sem ar puro, sem estudos?
E aquele corpulento homem que bebe
Não bebe porque quer. A vida o leva
Ao fundo abismo! Há tanto não recebe!
Sobe no seu lar hera da treva.
Pastam como ovelhas inocentes
Mansos cordeiros, meigos cães de caça
Dos olhos chispam fogo rangem dentes
Lobos quando o gado manso passa
E à noite, quando crias berram tanto:
“Tenho fome!” Mil vezes quando choram
Rompe no silêncio à noite um pranto
Por não terem que dar a quem adoram
E multiplico o pranto vezes mil
E multiplico o mil por mil milhões
E tenho quantos choram (sorte vil)
Aqueles que a dor calam com canções.
E noutros tempos foram belas flores
Raras e bonitas e singelas
Cantando ao sol simples canções de amores
Raras e bonitas o sol a elas
E logo veio o verme condenando
Maligna cor engole a cor mais pura
O branco imaculado desbotando
Tornando a flor do bem em mal impura.
É como verde logo que se forma
Num lago outrora claro e transparente
A vida invoca o tempo que reforma
Tornando-o sujo como a pobre gente
É como o verde outeiro que se avista
no entardecer o sol a esmorecer
Alguém por ódio ou nada pôs na lista
Sua contemplando-o ao vê-lo arder
É como a borboleta que esvoaça
E sobrevoa o prado onde nasceu
E foge quando a verde cor é escassa
E chora o lar materno que perdeu
É como a rica árvore que deu sombra
Abrigo a nus amantes que se amaram
É vê-la ser serrada e como tomba
E os amorosos dias terminaram.
Foi-se o coração onde escreveram
No tronco tortas linhas que dizia
Que alguém amava alguém e lá verteram
Lágrimas de amor. Isto é poesia!
Poético episódio terminado
Recordam com saudade aquela imagem
No rosto desta gente abandonado
Escreve-se saudade na paisagem.
Em cada rosto há uma flor que cresce
Em cada rosto há árvore plantada
Em cada rosto há a escada que desce
Levando ao fundo à vida mal fadada
Em cada rosto há versos de poeta
Há uma Ode à Alegria outra à Beleza
Em cada rosto há uma incerta meta
Um sopro comovente a Natureza,
Pertenço a vós também levando a voz
A vossa a minha a nossa numa só
Que este magro poema me dispôs
Cantar quem tratado é como ar e pó.
Em cada olhar mergulho Ó mar ignoto,
Em cada olhar inspiro Ó Mãe Natura
Em cada olhar suspiro Ó Deus... e noto
Em cada olhar a grave sepultura.