Esqueço-me quem sou. Por vezes vejo,
Feroz, o que gostava tanto ver,
Depositar um estrepitoso beijo,
Na linda Lua que não posso ter.
Da Holanda filha, túlipa vermelha,
Manchada no seu manto transparente,
Divina me transporta uma centelha,
A tocha empírea que arde lentamente.
Meus olhos brilham quais dois diamantes,
Dissipam trevas, se ouço agudos passos,
Ah, nefastos ímpetos constantes,
Plantar meus sonhos num jardim de abraços.
Aquela estrela que no céu madruga
Brilhando, até que o deus luzidio acorde
No firmamento, a estrela é posta em fuga,
Quando o primeiro raio de ouro morde.
Sorriso cor do sol de Inverno de ouro,
Dourando árvores, flores, rios e montes,
Abrindo os céus, cantando anjos em coro
Revela eternas, frescas, puras fontes.
Dardeja setas mágicas do Amor,
Filho da deusa com um vago olhar,
Querendo aliviar cansaço e dor,
Com brindes doces de outro alguém amar.
Mas erguem-se as negras asas da Sorte
Que espanta as aves com o manso canto,
Dos céus rainha, águia de grande porte
Que estende aos meus desejos negro manto.
Que existe para lá da existência,
Que vento esfria lá do Outro lado,
Que mão tacteia a frágil consciência,
Encontro com a minha alma marcado?
Porquê viver a vida em cativeiro,
E nas galés divinas mãos sulcando,
Curvando a espinha ao ser mais verdadeiro,
E numa incerta escolha agoniando?
Que pós mágicos estrelas espalham,
Trocistas, coruscando o Amor eterno,
Porque tanto a mente humana baralham,
O homem... longe de ser gentil e terno?
Ah bradar aos céus sem que alguém oiça,
Minha louca existência, vagueando,
Num dédalo mental onde não possa
Vadio ser no mundo, qu'rendo , amando?
Que posso mais querer do que isto? Ignoro
Limito-me a subir sempre mais alto,
Mas olho para trás, vejo, pioro,
E, sem pensar, da minha mente, salto.
Reside o sofrimento em não querer,
Que houvesse o que não posso nem tocar,
Murmura-me um rio para esquecer,
Dizendo: “Como eu, deves continuar.”
“Da Natureza és servo, fiel escrivão
que as vozes misteriosas vão ditando,
Frases, directamente ao coração,
Por onde o mundo inteiro vai entrando.”
“Porque escolheste a glória vã, inútil
Mortificando o espírito confuso
Tornou-te a solidão do mundo dúctil,
Inquieto num silêncio atroz, profuso”.
Por isto, eu sofro por amar a Beleza,
Verdade oculta em trapos andrajosos,
Divina voz da sacra Natureza
De enigmas, de mistérios curiosos.
Assim como quem vê o que não pode,
Ter, com gesto brusco e imprudente
O jugo interior a mão sacode
Tornando a vida farta inconsequente.
Contemplo num maldito e vergonhoso,
Segredo, como ser filho bastardo,
Sento-me na montanha, pesaroso.
Ó meu anjo, como por dentro eu ardo!
Ardo, num funesto fogo. Alcanço,
A doce beatitude se meus olhos,
Se fixam como promontórios. Danço
Com as nereidas por entre os escolhos.
Já Basta! Meu olhar fluido e mudo
Explode em mil fragmentos esta imagem,
Selvagem, deleitosa, onde me iludo
Falando-me na erótica linguagem.
Pelo meu corpo se propaga a força,
Das marítimas ondas, revolvendo
Meus prantos copiosos. E reforça,
Toda a minha dor em dor devolvendo.
A minha dor é nada. Eu temo o dano,
Estático, soturno, permanente,
Tornou-se o meu Amor o meu engano,
Plantada ilusão no jardim da mente.
Riem-se estátuas mórbidas. As trevas
Frenéticas, procuram os meus braços,
Da infernal deusa Alecto elas são servas,
Pedras que me acompanham os meus passos.
Move-te, flor deste encanto ignaro,
Devolve-me este azul do céu macio,
Encosta o doce seio, o meu amparo,
Empresta-me calor! Tremo de frio!
Porque vivo em constante pensamento,
Eu vivo padecendo neste Inverno
Funestas ânsias trazem-me tormento,
Vivo lançando-me às chamas do Inferno.
Venha o deus Pã nbsp;soprar divina flauta
De timbre aveludado, e mande embora,
Levando notas tristes desta pauta,
Escritas num instante em negra hora.
E que meu Amor puro e verdadeiro,
Possa muralha longa e forte ser,
Podendo o meu momento derradeiro,
Falar do que mais não posso esconder.
Sê bela, orquídea oferecida e brava,
Aberta como as portas do que tenta,
Só para meu olhar que no teu crava,
Um fardo que meu corpo não aguenta.