Há um Tempo tive um sonho pendente, Quase ignorado em mim, perdido, oculto, Dividi em dois mundos minha mente Prestando ao sonho, mais que ao real, culto. Inocente na esp'rança, amor buscava, Nas ruas, caminhando além do sonho; Convalescendo, eu ninguém encontrava Volvi o alegre olhar, olhar tristonho. Visito solo sagrado do pranto 'scutando a voz que ensina, a voz que entende Que ampara quase mão gentil de Santo. A voz que inflama, e chama a mão que estende. Qual timbre intenso brilha mais que o nosso Quando embatermos lá no fundo poço?
Pesadas pedras, deixem-me passar, Transpor barreiras, amores e medos, Violentamente embato sem cessar, Muralha erguida por mudos e quedos.
Quero passar! Passo à frente da fila, Serpente fria, morde a paciência Pérfidas ânsias, alma intranquila, Manchando limpo o pano d inocência.
Quero passar, já disse! Na borrasca Entre as pedras frias não quero ficar O homem ama; a pedra, o corpo enrasca, E amando, quer-se amar mais do que estar.
E polvilhar de cor, a claridade, A luz suave dos raios da manhã, Ignaro sobre haver a eternidade Tocando alegre sua flauta de Pã.
Fluir abertamente na presença, De horrendas hidras, que surgem dos mares Escrever à liberdade luz e avença, Tornar-se amante doutros despertares.
Mas onde estão altas muralhas? Onde? Onde floresce a minha primavera Verde, fresca e nítida se esconde Nas densas trevas doutras vãs quimeras.
Berço de voltar a vida amando Lembrando incosciente antiga graça Verdade é terra dura que escavando O Amor se lança, e o Ódio embaraça.
Escava, ó miserável, arduamente Enquanto o sangue não verter primeiro, Desfralda a vela ao vento alegremente De feição nunca sopra um dia inteiro.
Não tenho um verso dentro da algibeira, Capaz de me comprar o meu sorriso Trago sempre o rosto quem na beira Perdeu há tanto tempo o seu juízo. Como mirrando a rosa, oferecida, Humilde a fronte curva e resignada, Esperando ansiosamente ser colhida, Na sperança de nunca ser ignorada, Perco subtilmente um meu momento Mirro de fastio, tédio e cansaço, Nada busco e quero; nada invento Esperando débil teu final abraço. Brilhando o sol de inverno, vai passando O tempo, que ao Tempo vou retirando.
Aparição belíssima, inquietante E persistente qual curso da Lua, Tua presença em mim é uma constante Ao ver-te em sonho, linda, bela e nua. De róseos lábios trazes cedo a Aurora Suave beijo... estrépito celeste! Na claridade a minh alma decora Nocturno é doce o beijo que me deste. Mas meu amor, além de converter Lágrimas em rios, beijos em flores Estiola a cor do sol a descender, No distante horizonte dos amores. Nada impede ver-te à luz do dia, Mas quantos ses... o que eu por ti faria...
Depara-se-me o tempo, a realidade A irreversível hora, um desconcerto Sobre temer a obscura eternidade E pensar nisto e em nada, encolho e aperto. Colhendo rosas não é gesto em vão, Colhendo ventos, chama as tempestades; Traz o primeiro amor, o outro ilusão De ser mais alto que cruéis verdades. Julguei esbanjar meu tempo a contemplar Mares, rios, montanhas, montes verdes Bastou sofrer e o mal remediar Para dizer-te o que no tempo perdes. Essa paixão devora-te e traz dano Mas, caro amigo, amar é ser humano.
Dizer-te que nos meus sonhos vagueias, No pélago, invocaria eu os ventos E caminhar na solidão das praias É não expressar por ti meus sentimentos. Não quero provar teu beijo dulcíssimo, Os gestos, frases, teus mansos olhares Que flutuando num sonho levíssimo Sonhei estes e outros despertares. Contemplarei os finos lábios sem, Na terra remexer, de lama encher-me Porque teu rosto encanto maior tem E contemplá-lo é igual a perder-me. Convém nunca esquecer minha fraqueza, Porque na vida a dor é a incerteza.
Abrindo lentamente a porta do meu ser, Eu deixo entrar a aragem deste grande amor, Que paira em nevoeiro, e nunca deixa ver, Aquela etérea cor.
Desperto de manhã rumando sei lá bem, Pelas terras de sempre, iguais ao amanhã E a calma demorando, como amante que não vem Acordo de manhã.
O sol prolonga a cor rosada no horizonte, E fixando os meus olhos vejo o quanto vale Deixar-me assim espantado, passando a ponte, Entre o Bem e o Mal.
Quero acordar enquanto dura a vida breve Guardar dentro da alma os odores e perfumes, As máximas árias da terra e tudo serve Reter melhores costumes.
Quero sonhar dormir nos ramos como as aves, Naquele assaz conforto que me impele a qu'rer voar E antes que tu, Musa, co' os lábios me craves Um beijo, eu quero... estar...
Perfume ébrio que asperge a multidão, Como um lençol de branco imaculado, Berço do assassino e a obcessão, Ser pela multidão idolatrado. Em paz segura, a virgem se deitava, Nos sonhos que transcendem alma impura, No leito perfumada, assassinada Verteu doces eflúvios de ternura. Metódico, untou-a de desejo, E delicadamente a contemplava Na mente, fulminava o negro beijo Divino, calmo, sua alma tirava. Vibrou a multidão como encantada Mesmo quem dele perdeu a sua amada.
A uns falta-lhes tempo, a outros gosto Seguir pra além dos montes do desejo, Estar só, tenho vontade e rastejo Na lama imunda lavando o meu rosto. Áspero, sempre insípido e cruel, Qual vento varre as folhas sobre o chão Sangra a própria alma, a própria mão Digno de amargura, odor a fel. Nem ouro ao fim tarde tem valor, Nem céu abobadado destas estrelas Fixas sobre as mãos de um Grande Amor Brilhando sós, esparsas e tão belas. Jardins da minha alma, o meu desleixo É fruto deste mundo onde me fecho.