Sozinho, enclausurado num cubículo, Eu vou cantando as canções mais antigas, Pairam sobre a minha mente em círculo, Como andorinhas mansas tão amigas. Liberto-me, se me lembro de alguma De súbito, sinto-me a flutuar; Das canções amorosas, só tenho uma Capaz nesta prisão de me libertar. Saltando infantilmente, vou cantando, Sorrindo debilmente, vou sonhando Nascendo novamento uma paixão, Que alastra sobre a tão tolhida alma, Primando pela pressa e não pla calma No escuro, iluminando o coração.
Choras a liberdade que perdeste, A sombra neste meu esclarecimento, Colheste ventos, como almas a peste, Tão negro manto e magro pensamento. E um lençol estrelado envolveste, Sem um parecer, meu consentimento O beijo, que da fúria, ofereceste, Não tinha encanto, o mesmo envolvimento. Dos róseos lábios dás-me o teu queixume Liberto, lânguido, um beijo costume De quem batendo as asas sobrevoa, Abençoados campos de mil cores, Colhendo tão extremosa belas flores... Senti, ao ver-te assim, que o Tempo voa.
Estou só, perdido na densa floresta, Ignoro o caminhar do meu regresso, A perdição que o estar só nos empresta, Não dá a cor divina ao branco verso. Desfigurado, ignoro quem pareço Se filho ingrato da maior fortuna, Ouvindo a voz tirana, empalideço Qual triste rosto da princesa Luna... Não ser maior, pensar nisso sequer, Posso, anónimo, ser quem eu quiser Poeta, boémio, vadio, proscrito... No dia de saber quem se quer ser, Não estive (talvez estivesse a escrever), Confesso ser na multidão maldito.
Triste é não ter um amigo e conversar, E partilhar um simples pensamento, Não ter alguém com quem algo partilhar, Estar só debaixo do azul frimamento. Triste quem recusa alguém de amar, Ser amado na hora de desalento, Não ter ninguém ao lado e tão bem estar, Debaixo de olhos do consentimento. E quando nos invade esta tristeza, Qual solidão no meio da natureza, Fica-se em letargo constrangedor; Não ter amigo é não ter sequer alma, Reprovando o sabor do Tempo e Alma, É não ouvir a voz de um grande Amor.
Quero ver nos versos luz dourada, Quando encontrar a arca do tesouro, No rosto reluzindo a luz do ouro, Enaltecendo sobre tudo e nada. Cumpro se sentir espanto espalhar-se, Nos rubicundos rostos dos leitores, Sorvendo versos falando de amores Nesta arte, magro engenho, e ocultar-se. Sou pedra que se encosta ao vil metal, Alquímico, nobre gesto de Amor Erguer-se o nevoeiro de uma dor, Sentir perene o verso triunfal. Passem os portões deste meu jardim, Onde faço crescer coisas assim...
Depressa! Vem comigo ter! Depressa, Ó semelhante às deusas sossegar, Põe fruto, a calma, à frente e na travessa, Que eu sem calma vou louco devorar, Sem fixar no meu peito a vã promessa, Que é teu passo apressado, e demorar, À noite vens co' a Lua só, travessa Vindo divina e mansa me amparar. Rio-me de mim, perdido e louco, Tudo me sabe a nada e nada é pouco, Sem saber minhas angústias dirimir; Tremendo como quem lança um tremor, De terra, é este o fado, é sentir dor, Não ter na barca um leme a dirigir.
Entre o silêncio que a noite transpira, Perfumado luar meigo de prata, A alma inquieta desatina e mata, Meu corpo enfraquecido em vão respira. A calma passeando, eu nunca a vira, O nó nunca meu coração desata, As cores mistura em nossa alma abstracta, Jamais sentir o que em tempos sentira. Ando perdido, em muros embatendo Visíveis, sobre o que vou recolhendo, Da máxima, sublime, etérea beleza. Não sei mudar meu rosto quando quero, Nem penso nisso com esforço e esmero, Só sei seguir a própria natureza.
Ser vil pessoa sem se dar por isso, Ser da mentira um fraco defensor, Cativo em encantamento ou em feitiço, Enfraquecer, tombar, e ser melhor Às cegas tacteando pelo mundo, Não tolerando nada que se ofereça, Por mais iluminado ou mais imundo, Canto mesmo que o mundo me esqueça. Conta-me histórias de amor proibido, De heróis sem feitos, das donzelas fúteis, Porque a vida não faz nenhum sentido, Mas não me contes mais histórias inúteis, Porque vale sem pena o verso escrito, Ou sem pena. Vale o feito que o dito.
Encolho-me hesitando em simples gesto, Na fronte, tenho o peso do Oriente, Nem sei se sou comigo mesmo honesto. Vem sol, brilhar no meu novo Ocidente! As sombras correm sobre o chão que piso, Perturbam-me ígneos olhos, sujas mãos, Não sou no intelecto mais conciso, E são meus pensamentos todos vãos. Pareço a Lua quando desaparece No escuro Céu, cor lúgubre de seda Bondosa e ténue luz de nós se esquece, Espiral sofrendo, em louca e fatal queda. As estrelas caiem sobre a minha mente, Quais odiosos olhos de vil gente.
Que mal atroz te fiz p'ra me deixares? Terei desfigurado o rosto vago, Quero-te aos meus sentidos despertares, Carícia meiga, o gesto, um doce afago. Na escuridão pendente, não me deixes, Meu sonho de poeta desvanece, Em túmulo, não me isoles, não feches, Meu sangue ardente agora me arrefece. Invadem-me as paredes que não vejo, Alastra o escuro como derramada, Quando em Terra as sombras dão escuro beijo, Furtando o brilho alegre à minha amada. Imploro-te, ó tu que ao meu estro dás, Aos céus não voes, para os céus não vás.
Vem insulfar a esperança em mim, ó deus, Agrilhoado nos confins do mundo, Pra dar a cor aos magros versos meus, Escapar do lugar escuro e profundo. Assuta-me se não souber vencer, Sem ter remédio que ensinaste ao homem Nas feridas aplicar e converter, Em doces gozos, onde as dores consomem. Enclausurada voz tomei no canto Subitamente encolhido, arranhado A prece aos quatro ventos eu levanto, Faminto e morto e vivo atordoado. É um lago a fonte onde muito me inspiro, Imundo em lama, água nenhuma eu tiro.
Nunca quis estar onde nunca quis estar, Não quero amar quem nunca em vida amei, Já basta a minha própria alma enganar, Porque nunca em vida me saciei. Basta! Basta, ó vida, ó Morte, Inferno, Inexistentes Céus, somente os vejo, Em terra, em mau reinado, ou mau governo, Da vida atroz, ingrato, eu mal festejo. Encrava o estro, a veia entope e encerra, Angústias em mares que desaguam, Com vista a mente para além da serra Onde poetas nunca em vida amuam. Irei pra lá um dia mas por ora, Ao verso, estanco a ferida em má hora.
Esmoreço porque não tenho vontade, Para enfrentar o mundo inteiro, e agora, Esqueço-me gozar a claridade, Que brilha tanto somente lá fora. Pergunto se em momento detivesse, Asas para voar, branca plumagem, E voasse sempre que me apetecesse... Que inspiradora e tão bela imagem! Vou sonhando, e o Tempo vai passando Pelas ruas dos sonhos vagueando, Proscrita torna a mente quando alada. Mas eis o estrépito da realidade, Embate em mim como a cruel verdade: Tenho vontade de não fazer nada!
Ergueu-se a Aurora lá no horizonte, Profundamente triste, assim fiquei, Pensando ser a clara luz a fonte E agora que anoitece, despertei. Nesta contradição que me atormenta, Animada te vejo, ó Lua em pranto Chorando a prata; a luz em mim aumenta. Talvez tenha a vida assim mais encanto... Parece o manto certo que se veste, Em conta tendo o Tempo o céu impera Quando célica cor o Tempo investe, Sugando encanto à luz da Primavera. Que a Providência, em vez de mim, decida Porque anda a minha alma assim... perdida...
Vimos juntos escorrerem as águas, Entre as estradas imundas e os passeios, Talvez lave a cidade as suas mágoas, Porque não tem nossos humanos meios. E as nuvens correm céleres com pressa, Sem faltar ao divino, ordem que impera E a terra humilde, para que obedeça A fronte curva e a alma recupera. De tantas linhas de água, tantas dores, Na cidade p'lo Tejo abençoada. O passo abranda, rouba seus amores, Como furtar as flores à minha amada. Cai furiosa a chuva neste chão; Redime-se a cidade, mas eu não.
Sinto o meu corpo arder em movimento, Uma locomotiva, vomitando P'ra trás o fumo deixa ao esquecimento Qual alma ingrata o corpo vai deixando. Envolto numa mortalha de fogo, Incediando os cantos do meu ser, Sou homem ao mar e nele, me afogo, Não tendo ar ao corpo par' oferecer. Esta dor dominante não se vê, À vista dos teus olhos amendoados, Diz-me: porque assim estarei? Porquê? Oiço bradar os anjos revoltados. No pensamento urdo planos tentando, Cessar fúria marítima pensando.
Existe, entre olhares subtis, confronto Cobrindo a mente com veludo ou manto, E nesse olhar vejo um pequeno ponto Se me repugna ou se me causa espanto. Que entendes por olhar tão indeferente, Que sabes tu de quem pensa de ti, Se és fraco ou forte ou amas loucamente Do penetrante olhar que nunca vi? Vagos olhares, pântanos de enigmas, Que a vista amplia, porém, não vislumbra, Nem rugas, raízes íntimos estigmas, Ficando só no átrio na penumbra. Se os olhos escavassem, encontrava Vestígio do que alguém de alguém pensava.
É tempo de acordar e de me erguer, Deter coragem hercúlea de lembrar, Que deve o corpo ao Tempo submeter, Nunca a virtude em vida em vão deixar. É tempo de cansar-me andar cansado, Erguer-me vago, mesmo adormecido É tempo de esquecer no mal pensado, Guardar visões do espaço conhecido. Se é tempo de ser Tempo então respiro, O ar que leve vem além do vento, Bradando assim aos céus então prefiro, Incauto andar, drenar o desalento. Quem dá sossego ao meu desassossego Ganhando o dia neste magro emprego?
Não sei escrever um poema sincero, Na mente, os versos soam-me às abelhas, Zumbindo sobre o que escrever eu quero, Como aflito grasnar das aves velhas. Grande este desatino que me invade, Que nunca soube refrear contenda, Voando em queda como a potestade Aspirando vaidoso ser viva lenda. O quanto me envergonho, ó Musa! Tenho A liberdade de querer seja o que for, Vê como ando vivo andrajoso e estranho Querendo reaver meu eterno Amor. Vivo como um vagabundo louco, Gritando como isto me sabe a pouco.