Olhas-me sem que disso tu dês conta, Que o gesto é perigoso e infantil, Talvez seja o teu beijo afiada ponta, Duma lança de Aquiles entre mil. Brandas são as águas pantanosas, Escondendo porém perigos fatais, Mas divina entre as flores mais formosas, Tu lanças-me, com teus olhos, punhais. Que queres que diga ou faça para ter, Sossego entre este meu desassossego, Prefiro não ter nada para te dizer, Do que ganhar-te carinho ou apego. Ousado sou pensar que sou capaz, Negar fazer o que toda a gente faz.
Onde o valor está em apontar o dedo Na ferida, não detendo melhor cura, Espalhando entre o mais casto seio o medo Colocando mais água na fervura? Que vale dizer que o mal está feito, quando Se alastra o voraz fogo impiedoso E, qual negra peste, vai-se instalando Sendo inclemente, atroz e vigoroso. Palavras sopradas assim são ventos, Que ateiam fogos, florestas devoram, Tais julgarem mortais da morte isentos, Incólumes heróis que nunca choram. Mais fácil ser arauto da desgraça, Que adiá-la, já que a todos trespassa.
Não julgues que te quero mal, meu Bem Transvia-me somente o pensamento, Quando esta negra angústia vai e vem, Ficando por esgrimir meu sentimento. Qual Cila que água suga a imensidão, Que o mar detém, assim a alma eu sinto. Imploro, no julgamento, plo perdão Tornando-se-me o mundo indistinto. Nas veias corre amargo, um vil veneno; Retido em trevas, escoa-me a vontade Nas ermas terras; fico mais pequeno Como a mentira eclipsando a verdade. Mas sabes tu não ter eu muito jeito, Se torto ando, não finjo andar direito.
Queria tanto ouvir teu meigo piar, Soando levemente em meu ouvido, Queria tanto ter-te, ver-te e abraçar, Como conhecer o desconhecido. Quero abrandar um pouco este compasso, E ter espaço para ouvir a melodia Que a dor dissipa e a cor do meu cansaço Do ver-te e ter-te de noite e de dia. Beleza, que me anima e o nó desata Desgraça de quem quer impor seu canto, Revela-se em manhã doce de prata, Quando surge o sol, redentor e santo. No Tempo, nunca faças vãs promessas. Nunca estarei à espera que apareças.
Sou da Beleza amante, um arqueólogo Enterrando na areia a insana mente, Mantendo ufano, constante monólogo, Perdendo-me só sucessivamente. Esburaco a terra em busca do fascínio, Escorrendo a seiva sobre os outeiros, Mas lentamente assisto ao meu declínio Em busca dos anjos mais verdadeiros. O tempo passa, poisa a sombra. Aumenta Aperto, e o ar escasseia e me sufoca, Procuro o que enriquece e me sustenta, Qual mão divina que quase nos toca. Contemplo à noite a Lua as várias fases, Quando os teus beijos, Musa, não me trazes.
Esta angústia que chama o amargo pranto, Sem cor, sem arte, não havendo assunto, Cesso mortal, incansável meu canto. Já os versos soam a versos de defunto... Retido em sombras que meu ser trepando, Qual escura noite engole a luz do dia, Carpindo emoções, vou o ser livrando, Invocando a Deusa da Poesia Nesses olhos que encharcam mais os meus, Tristeza trazem, fixam vagamente Na imensidão do espaço. Olhando os teus Vejo-os brilhar apaixonadamente. Se fores ingente fonte, água brotando, No espaço, estes meus versos, vou jorrando.
Preencher-te, papel imaculado, Transmite a cor com que sempre te vestes Sobrevoando os céus do meu passado Tranquila paz nele assim me revestes. Tão pura cor emana de alvos dedos, Pautando em azulados traços, guias Que no Céu estrelas tecem os enredos, Onde Homens nelas liam profecias. Bondosa, gentil mão me dá à tua Revelia, um verso ou dois, poema. Vejo-te qual virgem à frente nua Que ao vate honesto dá sublime tema. Tenho gravadas as Quatro Estações, És uma dessas Mil Contemplações.
Enclausurado e triste eu vou vivendo, Preso pelas correntes da vil glória. Sou vil de querer perdurar na História, Com a tristeza mor, vou convivendo. São como os raios do sol: não se vindimam Nem engolir os mares mais profundos, Ou enquadrar os sonhos mais rotundos, Melífluos sonhos que os mortais dizimam. Mas nesta condição de ser quem sou, E vivendo uma vez por cá somente: Que gritem alto o quanto louco eu estou, "Por aqui eu passei naturalmente." Assim preencho à Morte o seu ingresso E continuar a ser quem sou, tem preço.
Decoro os belos traços do teu rosto, Teus olhos inquietos e fulgentes, Estando longe de ti que é desgosto, Como o Céu que hoje semicerra os dentes. Alegro-me quando juntos os nomes, Poisando sobre o ninho doce o nosso, Plantamos e florescem bons costumes Evado-me do meu tão escuro fosso. Alegra-te, meu anjo, pois à noite Estaremos juntos novamente os dois, Ouvindo, sibilante o vento, o açoite, Adormecendo plácidos depois. Agora, invoco o teu rosto a imagem, Porque à frente cinzenta é a paisagem
Aquilo que no Amor tanto me envolve, Que ao estro maior fluxo me concede, Não sinto, e uma angústia maior devolve Qual chuva agreste que uma flor não pede. O extremo anda comigo e não me nega, Em luz ou trevas, em escárnio ou sorriso. P'ra sempre, a luz que ofusca e ao cego cega, Não mais dela anseio, sofro ou preciso. Preciso dar sossego a este sono, Que envolve as partes todas do meu ser, Porque enquanto eu for do meu ser o dono, Jamais vivo quererei me corromper. Pois barra-me a passagem, Tempo incerto Quero-te, Musa, ver-te mais por perto.
Nem lágrimas tenho para te oferecer, Quando a dor que te invade nos sufoca Sinto meus sentimentos a desaparecer, Como se uma mão toca e não me toca. Vergonha, talvez seja o que me invade, Réstia de alegria ou vil tristeza, No olvido do tempo ou da minha idade, Não celebrar a Tempo a Natureza. Ó magras emoções que eu vou carpindo, Frases sem cor, sem pureza ou valor Ó almas que meu mal nele vão ouvindo, Não suguem mais do meu tão pouco ardor. Onde, Beleza, escondes tuas crias Pra cuidar delas durante os meus dias?
Nem lágrimas, Amor, de amor eu tenho Pra regar-te, flor, e ver-te florescer... No Averno me encontro tão escuro e estranho, Que nem lágrimas tenho para verter. Nem um tão louco impulso que me impele, Para além da existência real, vazia, Só minhas mãos sentido a tua pele é esmalte em verde campo ou poesia. Solene ouvindo a árvore oscilando Sobre os ventos rasteiros que me envias Pelos teus lábios, beijos vou tirando Sinais dos gestos nobres que fazias. Já pela face escorre o brilho, o sal Do amor sublime, oposto do meu Mal.
Abomino os meus gestos se os calculo, Abomino quem finge e nada sente, Abomino os meus versos se os osculo, Sem pompa ou arte ou cor, solenemente. Abomino a cinza que me rodeia, Abomino a conversa igual e quando, Abomino o que oscila ou me estonteia, Se o que abomino a alma vai tomando. Ouvindo vou quem só se congratula, Devendo tudo à singela maneira, Meu coração inquieto canta e pula, Quando nada sente nesta vil feira. Qual flor que à noite se fecha e adormece, Abomino o que somente parece.
Pouco me importa o quanto a taça verte, Aos deuses libações! Enche-me a taça, Porque a vida já nada me promete, E a dúbia existência a mente mata. Que importa se o meu estro não lateja, Que importa os meus momentos já passados, Se amanhã for então que amanhã seja, Serem no céus os meus versos truncados. Não sinto o sol, não sinto a ausência dele, Nem os castigos da chuva que, agreste Impiedosa cai, na Terra, a pele Sou quem nem pele nem alma o corpo veste. Reteso o arco na angústia que é minha, Não quero pensar mais no Amor que tinha
Confuso pensamento me ocorre quando, Sem querer, oiço as conversas jactantes Das mais lascivas frases de bacantes, Que entendem que seu estar mal, vão bem estando; Qual propósito está pra além da alma, Num íntimo profundo além de imundo? Que louro ganho ou riquíssima palma, Deixar no chão um ser bater no fundo? Engole, Hades, não as puras donzelas Que os glaciares ventos se levantam Porque não levas antes as sentinelas, Do nada, vácuo, o que é o belo espantam. Além do que no ser mais dissimulam O que é mais puro e belo, em mal rotulam.
Exaustos os meus olhos! Quando os fecho Meu mundo oscila e nenhum anjo socorre Falha-me o lasso corpo, e meu desfecho É ver que o tempo passa e a pressa corre. Minha imaginação escassa me ampara, Sonhando o lar que à noite ela segura Que tudo vence, a angústia ultrapassara Mantendo alvo semblante de alma pura. Mas meu escrever arrasto sem que inspire, Mais alto voe nos céus que aves me animam, Talvez num sono incauto à noite expire As dores de um mal menor que desanimam. Não corro para ser o que eu não quero E ver alguém correr, é um desespero.
O que é o amor, mais do que uma palavra, Mais do que um sonho imberbe de criança, Que um aguçado espinho em nós se crava, Que as mãos macias tocam e dão esperança? Que Norte este ou estrela guia no mar, Da marítima gente, terra em busca? Que apetecido fruto quer-se trincar, Temendo logo a luz que, eterna, ofusca? É mais que esforço ou revolta interior, Maior que sonho, força hercúlea e brava, É mais que a Imensidão, nome de Amor, Que à Imensidão o Pai um nome dava. Se capaz fores de estender a mão, Pr'a alguém, serás tu essa Imensidão.
Nas horas deste fúnebre aperto, Roçando a angústia pela minha face Sinto-me só neste árido deserto À espera que o vento ou a brisa passe. Encolho mais um pouco e atrofia Meu querer ou não querer nada de alguém, Anseio esta ansiedade durante o dia, Esperando pelo nada e plo ninguém. Vou invocando a calma e suspirando, Num canto encostado, e uma mágoa Antiga fere no peito, e peito arfando Me afogo como dentro ou fora de água. Não contem comigo hoje para nada. Do corpo, eu sinto a alma a ser drenada.
Paixão ausente, porque me deixaste Com a tua vinda eu sonho novamente Tu, que neste mar me retiraste Paixão tiraste e me deixaste ausente? Quem com ardor percorre o sangue, as veias Brilhando os olhos loucos de paixão, Que invoca imagens de belas sereias, Nadando nos mares do seu coração. À solidão condenas-me e aprendo, Que o teu sabor é fruto apetecido, E agora as brancas páginas vou lendo Porque provei o fruto proibido. Talvez voltes em hora quando esqueço Que o beijo teu, mais doce, não o mereço.
Entre nós um dilema permanece, No ar pendente que o amor subestima, Meu coração esmorece e arrefece, Saber o que em nós mais nos desanima. Entre os dois uma dúvida enriquece, Nosso templo repleto de prazeres Pois não ignoro o que em nós empobrece, Nem esqueço no Amor outros afazeres. Meditar não te peço neste tema, Que angústias se prendem aos corações, Talvez por isto esquece este dilema, Que germina na mente as ilusões. Pois o que mais parece ser eterno, Faz com que um rei se entregue ao desgoverno.