Apareceste angélica e alada, Enquanto em ti pensava no momento, Pensei que bastava pensar na amada, Que ela aparece num simples portento. Como eu posso provar a claridade, Desta casualidade triunfal? Mesmo que em mim não vejas a verdade, Salvaste-me novamente do Mal. Mas num piscar de olhos foste embora, Escondendo o quanto grato me senti, Mas na eternidade não existe hora, Senti o dever chamar e, assim, parti. Duvido que caminhem em Terra anjos. Mas fui alvo de quem destes arranjos?
Eu sou um sóbrio tão insatisfeito, Hiante de sonhar sonhos grandiosos, De palmilhar no Tempo imperfeito, Sem me lembrar dos feitos valorosos.
Talvez alguém me espere no firmamento, De rosto inalterado cego e mudo, Já não detenho em mim um sentimento, Sobre o mundo cessei eterno estudo.
Fixando os meus olhos no céu dormente, Nada alcanço e invejo as andorinhas, Sobra um doce caos na minha mente, E lúgubres sorrisos que detinhas.
Estendo ao diabo as mãos, e escarnecendo, Da resistência inútil e infantil, Quanto mais sorri, vou desaparecendo, Vazando a alma. Sou ainda mais vil!
Que importa se o globo azul terrestre, Terá como as rochas triste fim, Não vês que o grande Amor que me ofereceste, Fez-me simplesmente ficar assim...
Assim que nem eu sei e só eu posso, Saber como fiquei depois de amado, Da Primavera azul eu tudo esqueço, Finalmente me vejo transviado.
A multidão insiste em que eu me junte, Ao mar de cinza pueril e raso, Talvez com o fel o Diabo me unte, O corpo que eu, com a alma não caso.
E cada quadra escrita é um esmurrar, A luz de ébano, que tolhe a vista, Ah, se pudesse eu o mundo parar, Lançar-me-ia aos mares na conquista.
Talvez no Hades eu trémulo entrasse, No resgate da pequena Donzela, Talvez no lugar dela eu me sentasse, Saindo do Inferno ainda mais Bela.
Fatídico momento de um poder, Tão frágil, vulnerável a mãos rudes, Oh fogo que a água queres converter, Mesmo pura espera que nunca mudes.
Pois faz da chuva terna conselheira, Que desigual ao Sol, dele se alimenta, Vê como é verde a extensa cordilheira, Com as sombras trepando o Belo aumenta.
Queria sossegar essa ansiedade, Talvez cobrindo o teu rosto de beijos, Mas penso ter, vaidoso, a eternidade, De satisfazer teus loucos desejos. Fluído sangue escorrendo num rio, Quase revolto mar grande e vermelho, Com ansiedade pra ti poema crio, Lembrand' dias em que o estro é meu espelho. E se fluí, minha fonte pura, ingente, É porque límpidas águas de ti bebo, Da secura mundana é quase urgente, Banhar-me em ti, e eu banhos de ti recebo. Pudessem ser alados os versos meus, Levando as tuas ânsias para os Céus.
Qual mar que a areia envolve sem que alguém, Dê disso conta, assim é a mentira, Impuro mar que engole e o Sol também, A pureza, que a verdade revira. Da verdade quem se atreve a obtê-la, Qual jardim babilónico em Terra, E num abismo imundo convertê-la, Onde a Humanidade se encerra. O Tempo avança em passo de gigante, E eu olho absorto em vago pensamento, Visto a verdade com negro turbante, Vendo que a esperança é luz no desalento, Porque não me torno mais confiante, Ao ver que não detenho nenhum talento.
Se eu for somente a sombra do meu ser, Então vem deitar-te mais perto, Amor, E do calor escaldante de viver, Vem refrescar-te sem mácula ou dor. Se as minhas folhas (se fossem meus versos), Forem a causa dum mau desagrado, Vem esconder-te dos olhares perversos, E esquece por um pouco um bom bocado. Já canto os cânticos crepusculares, Declinando, mas alheio, contudo, Se mesmo a minha sombra tu amares, Não ficarei na Terra morto e mudo. Talvez comigo possas despertares, Contando-me belas histórias de tudo.
A máquina da mente se me emperra, Deslize à pena impresso num papel, Um sentimento, um momento na Terra, Sabe-me na boca a amargo fel.
Da águia que dos escombros renasceu, Majestosa, o voo não detenho, Talvez de mim a Musa se esqueceu, Colocou-me no mar negro num lenho.
Que faço no meio do nada ouvindo igual, O som rude e maquinal das feras? Já não distingo entre o Bem e o Mal, Porque, Musa, meu campo desesperas.
Sonho ainda os sonhos grandiosos, Ainda leio a gente que declina, Um querer maior de estros vigorosos, Gritando ao Homem que a fronte reclina.
Dos olhos vou dardejando o vazio, Sem fixar em flores o meu olhar, Porque o sonho de olhar me impediu, Neste seco langor que é amar.
Entre os raios de Apólo, convalescendo, Entra um novo brilho como desponta, A aurora; nas trevas vou entendendo Que um livre ímpeto ficou de fora.
Que é vida senão as árvores e as flores, Que é vida senão da criança um sorriso, Com que se tratam as feridas e dores, Se não fores um gracioso narciso.
Ó diálogos divinos e constantes, Se eu findasse agora minha jornada, Talvez seriam os versos penetrantes, De amar serenamente a minha amada.
Quando retenho em mim doces palavras, Vendo que em ansiedade desesperas, Com teus olhos brilhando nos meus cravas, E por essas palavras, muito esperas. Se do amor seu gume eu não tivesse, Provado a lâmina sua aguçada, Com que o amor afia, talvez esquecesse, Que palavras são vento; são tudo e nada. Não dou valor ao que tão facilmente, O vento leva e varre, e a literatura, Não expressa o meu Amor exactamente, Nem retrata tua doce candura. Se olhasses nos meus olhos fixamente, Talvez tu provarias água mais pura.