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POESIA ÀS ESCONDIDAS

Poemas escritos por António Só

Perdão

Julho 15, 2008

Mostrei-me pouco humano, amor. Agora,

a penitência sofro por escolha,

Da conturbada e amaldiçoada hora

Já não há mais entulho que recolha.

Pesam-me os olhos turvos de cansaço

De mim não digo bem, só bem de ti

Abre-me os braços, cede-me um abraço

Por não querer sofrer mais que sofri.

 

Já basta não ver mar, não ter-te ao lado,

Aquele verde monte estar distante,

Nunca me basta ter-me afortunado,

De ter-te por estrela mais brilhante.

Afogo-me em funestos pensamentos

Como se perto visse um monstro enorme

Erguer-se desse mar. Sopra-me ventos

De feição, para ver-te e recompor-me!

 

Até as árvores gritam-me: “Louco!”

Até flores as pétalas me fecham

O que vejo e me sabe sempre a pouco

Contemplar, não me deixam, não me deixam,

Por ver-te triste rosto, os lábios roxos

Secados pelos versos que te disse,

Desde ontem que meus versos andam coxos

Herança dos que invocam casmurrice.

 

Meu lago transparente, águas secretas

Minha andorinha alegre já não voa

Cúpidos olhos donde agudas setas,

Me ferem, por não ser melhor pessoa.

Minha Pietá, meu lírio imaculado,

Meu fio fresco de água em minha boca

Diz-me, sinceramente, se culpado

Serei, por arrastar-me à minha toca?

 

Esquivo-me, bem sei, do que pretendes

Ó ave meiga e mansa deste canto

Mas meu capricho inútil não entendes,

Causa-te susto, sem causar-te espanto.

Foi preso Prometeu lá na montanha,

Agrilhoado foi por ter roubado

Aos deuses útil fogo, coisa estranha.

Serei culpado por ter-te inflamado?

 

Sejam meus actos deslizar de gôndola,

Minhas palavras lustres de veludo

Meu coração que seja ave que pula,

Como se ela sentisse alegre tudo.

Minhas carícias sejam almofadas

Perfumadas entre nossos lençóis

Estes versos, bandeiras desfraldadas

Sejas meu sol entre mil outros sóis.

 

Empilho imensa coisa pra dizer-te,

Mas uma coisa só dizer-te basta,

Para voltar no nosso ninho a ter-te

A culpa é minha, amor! Eco se arrasta

No vale ressoando nosso amor,

Bendito coração que tanto prezo,

Tratando diligente dessa dor,

Que meu amor recusa e dá desprezo.

 

Sinto-me a sombra fria quando a nuvem

Oculta o sol vaidoso de esplendor,

Sinto que tenho a dor que ninguém tem

E sou da humanidade devedor.

E quando de mansinho abrir a porta

E ver-te o rosto, eu logo saberei

Se toda esta tristeza será morta

Por um sorriso ténue. Logo verei!

 

Porque meu rosto, amor, empalidece

Na rigidez do corpo eu me transfiro

E toda a gente amor me reconhece

Dizem-me que pareço co' um vampiro.

Porque enrijeço os membros de tensão,

Sinto arrepios de morte quando vejo

Novamente não ter teu coração,

E quanto mais me culpo, mais fraquejo

Na ânsia de obter de ti teu perdão.

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