O Belo Mármore
Junho 26, 2008
É dos exaustos rostos miseráveis
Que apaixonadamente amo e contemplo
Sem visitas da nobreza execráveis
Erga-se nesta voz sagrado templo.
É nos rostos vincados de tristeza
De angústia e de amargura sem ternura
Que extraio a púrpura cor com subtileza
Por não poder olhá-los com doçura
Cuspo o leite amargo da miséria
Rasgo estes andrajos, as vestidas
De noiva que a vida sonha galdéria
Casar-se como a Morte e margaridas.
Olho-os, amo-os, beijo-os e abraço-os
Molhados de suor e de imundície
Corro para o papel escrevo-lhes traços
Versos que ninguém melhor os disse.
Ó jovem rapariga que não dormes
Irmão, que vincos tens nos olhos mudos?
Que estropiados membros e disformes
Desejos sem ar puro, sem estudos?
E aquele corpulento homem que bebe
Não bebe porque quer. A vida o leva
Ao fundo abismo! Há tanto não recebe!
Pastam como ovelhas inocentes
Mansos cordeiros, meigos cães de caça
Dos olhos chispam fogo rangem dentes
Lobos quando o gado manso passa
E à noite, quando crias berram tanto:
“Tenho fome!” Mil vezes quando choram
Rompe no silêncio à noite um pranto
Por não terem que dar a quem adoram
E multiplico o pranto vezes mil
E multiplico o mil por mil milhões
E tenho quantos choram (sorte vil)
Aqueles que a dor calam com canções.
E noutros tempos foram belas flores
Raras e bonitas e singelas
Cantando ao sol simples canções de amores
Raras e bonitas o sol a elas
E logo veio o verme condenando
Maligna cor engole a cor mais pura
O branco imaculado desbotando
Tornando a flor do bem em mal impura.
É como verde logo que se forma
Num lago outrora claro e transparente
A vida invoca o tempo que reforma
Tornando-o sujo como a pobre gente
É como o verde outeiro que se avista
no entardecer o sol a esmorecer
Alguém por ódio ou nada pôs na lista
Sua contemplando-o ao vê-lo arder
É como a borboleta que esvoaça
E sobrevoa o prado onde nasceu
E foge quando a verde cor é escassa
E chora o lar materno que perdeu
É como a rica árvore que deu sombra
Abrigo a nus amantes que se amaram
É vê-la ser serrada e como tomba
E os amorosos dias terminaram.
Foi-se o coração onde escreveram
No tronco tortas linhas que dizia
Que alguém amava alguém e lá verteram
Lágrimas de amor. Isto é poesia!
Poético episódio terminado
Recordam com saudade aquela imagem
No rosto desta gente abandonado
Escreve-se saudade na paisagem.
Em cada rosto há uma flor que cresce
Em cada rosto há árvore plantada
Em cada rosto há a escada que desce
Levando ao fundo à vida mal fadada
Em cada rosto há versos de poeta
Há uma Ode à Alegria outra à Beleza
Em cada rosto há uma incerta meta
Um sopro comovente a Natureza,
Pertenço a vós também levando a voz
A vossa a minha a nossa numa só
Que este magro poema me dispôs
Cantar quem tratado é como ar e pó.
Em cada olhar mergulho Ó mar ignoto,
Em cada olhar inspiro Ó Mãe Natura
Em cada olhar suspiro Ó Deus... e noto
Em cada olhar a grave sepultura.