À Noite no Parque
Fevereiro 17, 2011
Entregue a uma visão de escombros e batalhas
Num céu opressor, sinistro e andrajoso,
Místico aos espíritos de ânsias, vícios, falhas
Meu cérebro embebido em nada é amistoso.
Como sinto o chão movediço afastar-se
Correm, sem destino, as águas impassíveis,
Vejo erguer-se um muro invisível, a elevar-se
Com tijolos partidos de sonhos impossíveis.
“Para quando o fim?”, pergunto ao céu, e neutro
Responde-me indiferente com oblíqua chuva
Tornando-me a silhueta áspera de feltro
E minha alma estremece, enregelada e muda
Degrau a degrau, encurta-se a distância,
Os sentidos são círios gastos mal acesos,
Inúteis nos tornamos, bibelôs sem relevância
E sentimo-nos, hora a hora, cada vez mais presos.
Sinto vontade de compor um poema épico
Sem fim, percorrendo, solto o desconhecido,
Como acender as velas na esperança do ético,
Como ácido derramado sobre o tempo perdido.
Pudesse abrir buracos neste céu de cinza,
Com luzes cristalinas da imaginação
empurraria as grossas nuvens de suplícios
Procurando o interruptor no negro coração
Guardo a lívida imagem dos choupos desnudos
Vieram já varrer as folhas outonais.
Como risos demoníacos nos rostos de múmia
Dos serenos semblantes, tornam-se rivais
Quando é que impedirei meu ímpeto feroz,
Ser polícia de trânsito dos versos ansiosos?
Seria, ao impedi-los, roubar a linda voz
Ao rouxinol dorido em dias langorosos
Ó Tejo adormecido à noite, ao adensar-se
A tempestade cega, à luz do candeeiro
Bastava ouvir de ti um canto a revelar-se
Entre os que te cantaram, um poeta verdadeiro.
Meu coração sumido arrasta-se ao refúgio,
Debaixo dum carvalho velho, encarquilhado
Como um mendigo andando, vago, triste e sujo
Voando, é um falcão real domesticado.
Sonho que atravesso à noite o escuro parque,
Onde o perigo habita, onde dorme a maldade
Num mundo fantástico, sou vítima do ataque
Feroz, da impiedosa e gélida verdade.