"... e a vida fosse um vício"
Abril 09, 2010
Que grande mistério a escura morte,
Maior este mistério: a clara vida,
Que enigma a enrolar-me na onda forte,
E brava, como o aceno à despedida,
Uns vivem gordos, nédios, abastados
Outros, vivem de sensações, lembranças,
Outros da fé, da esperança, enganados
Uns vivem, outros só de desconfianças.
E que mistério colossal o amor,
eu que julgo senti-lo percorrer,
Meu corpo que declina no esplendor,
Em cada átomo ínfimo no meu ser
E a sensação de plenitude instável,
Sentir-me vivo em cada manhã fresca,
Ouvir no vento um verso insustentável
Na memoria que a vida nos refresca.
E que grande vertigem hoje sinto,
Sentir a dura terra e o sol distante,
Como a louca alucinação de absinto
Que me acompanha sempre degradante,
Nas barras invisíveis que me barram,
Nos muros que me cobrem o infinito
As nuvens escarninhas nos agarram
Nas árvores, ou conto, lenda ou mito.
e todos os pecados que inventaram,
e que eram todos grandes pecadores
E os que disseram que nunca pecaram
São de mentiras, grandes inventores,
E tantos deuses (deuses!) que inventaram
Falsos Messias, magos oradores,
E os que inocentes ao fogo lançaram
Verão no Inferno fogos bem piores.
Ah se pudesse a máquina do Tempo
Travar e o mundo inteiro atravessasse
E detivesse o sol do mês Dezembro
Rosado ao fim da tarde, e embelezasse
Paredes brancas cheias de vazio
E fosse abelha e as flores fossem bocas
E fosse mar, regato, calmo rio
E andasse com formigas e minhocas.
E dentro de mim fosse a vida inteira
No céu explodindo fogos de artifício,
E jogos de água, e fosse verdadeira
A própria vida, e viver fosse um vício