Ave ferida
Setembro 10, 2008
Florida, reluzente, livre e forte,
Bela, como a estátua da Liberdade,
Assim te conheci, estrela do Norte
Sem manhas, sem rancor e sem vaidade,
Crê, minha amada flor não é por mim
Crê antes que me dói por ver-te assim.
Encolhes como um punho contraído
Num sítio em que se vê sangue vermelho
Relaxa no meu ombro, anjo dorido
Serei, dessa tristeza, ao sol, o espelho
A reflectir com raios fulminantes
Nos olhos da tristeza, como dantes.
Demora a funda cova, a sepultura
Bem sei que olhos alheios cravam facas
Nem sei se vale a estranha acupunctura
Se sentes como se cravassem estacas
Como ao lendário e sedutora vampiro
No coração. Dizes-me: “é mais um tiro.”
Na mente que não cessa de pensar,
Enquanto dura a clara luz do dia,
É como se estivesse a debandar
Cá dentro, a mesma luz clara do dia,
Mas eu já não distingo a luz e treva
Pior: tudo me enoja, tudo me enerva”
E cais nesse buraco em espiral
No cais sem mar sem tua embarcação
Leme quebrado tendo temporal
À frente, diariamente, a confusão
Nos dias que se vergam as vontades
Nesta selva, na Feira das Vaidades.
Este silêncio de ouro e de cigarras
Ordenador de ideias e loucuras
É nesta altura em que se afiam garras
Cravando na Tristeza mil ternuras
Que tanta inveja tem da humana gente
Oiço-a a ranger a vida como o dente.
Parece que também oiço o escarninho,
Que se propaga em eco em mim também,
Oferecendo sempre o doce vinho
Libertação de Baco que não tem
Libertação nenhuma. É momentânea
Prendendo pernas, mãos, à alma espontânea
Dorme como as pedras nesse rio
Que todo o dia dá um beijo ao Tejo
Longo e demorado, sem fastio
Que um rio ser também é meu desejo
Regando à minha voltas, belas flores
Florindo e suspirando por amores.
Lembra-te, amor, também como começa
A dissipar-se a névoa pelo sol
Que não é sol, também não é promessa
É dura pena de ficares mole,
Lama onde se enterram fundo os pés
Voltando, novamente, a ir outra vez.