Estranha sensação não me sentir presente
Pastoso pesadelo, a vida, vago sonho
Adormecido num papel de cor ausente,
O medo enverga luto, cínico e risonho.
Meus sonhos são cavernas, grutas sepulcrais,
Com tectos povoados por negros morcegos,
E movediço o chão tem pedras ancestrais
Onde prosperam cobras sem ricos empregos.
Sentado, sonhador, como um farol no mar
Meus olhos perdem brilhos de sonhos antigos
Sinto ser canção que ninguém quer escutar
E meus sentidos são terríveis inimigos.
O pavor de sentir as horas a voarem
Como o vento varrendo folhas e papéis
Sorrio, ouvindo as folhas no chão cantarolarem
como se contemplasse o Senhor dos Anéis.
Dentro de mim existe um Vesúvio sinistro,
Tornando os campos férteis da imaginação
Ando à procura de algo pra sentir-me vivo
Não sei se nesta vida... ou numa ilusão.
Loucura, enche meu copo com amargo vinho
Amanhã acordarei com flores na cabeça,
Brindemos ao orgulho de ser e estar sozinho
E serve-me o destino quente na travessa.
Avanço, mais um dia na roleta russa
Sou bala perdida no vasto universo
Banal e simples sou quem sua alma esmiúça
As ânsias e sementes atiradas em verso.
Meus poemas não usarão óculos escuros
Rostos que se cruzam neutros, antipáticos
Cercados por martírios vãos e altos muros
Rostos e rochedos, promontórios extáticos
Enlouqueço! Encerro-me num sótão assombroso
Onde em silêncio rugem medo e esquecimento
O vento traz na voz um timbre cavernoso
Onde lançamos sempre mais uma semente
Como dias festivos com bandas e balões
como se fosse surdo escuto o que está longe,
A música parece vir em convulsões
como vícios funestos visitando monges.
Como espasmos no céu pintados de artifício
Explodem estes versos, loucos, alusivos
À ansiedade fútil, meu mortal suplício
Que o espírito me tenta com lábios lascivos.
Quem és, dama de ferro, que meu coração
Transforma num cavalo à solta pelo prado?
Serás libido ou fúria, pura insatisfação
Vestida com a cor vermelha do pecado?
E arrancas com violência as rosas da roseira
E derrubas ciprestes, guardiães de martírios
E roubas-me os frutos da linda amendoeira
Onde me nascem flores de íntimos delírios?
Possa invocar sereno a calma que me falta
Salvar antúrios mil dos meus jardins secretos,
Fazer ouvidos mudos aos ódios que exaltam
Para que não assustem meus morcegos pretos
A minha língua quer falar mas não consegue
Como querer andar num sonho sem sucesso
Empalideço! Subo ao palco, e o que se segue
é meu mundo em ruínas, virado do avesso.
E de repente vejo um fio de sangue rubro
Um golpe traçoeiro do desconhecido
A faca que golpeia o Verão no mês Outubro
Numa rixa entre mim e o Outono envolvido…