Água e Fogo
Maio 19, 2010
Meu cérebro é uma autêntica fornalha,
Escaldante como as funduras do Inferno
Gela-me o teu olhar, neve de Inverno
Falcão que o meu olhar no ar esfrangalha
À volta dos poemas esvoaçam penas
Sucumbem como frágeis açucenas
Meu peito esfria sempre que congelas
Um beijo, bem guardado no teu seio
confundes-me no jeito, amor, no meio
Das coisas que não chocam, que são belas
Não vês que nosso amor feito resulta
Do desejo que o coração catapulta?
Não vês que as ruas enchem-se de flores,
E o vento vem varrê-las lentamente?
Perdemos tanto tempo em tempo ausente
Nas falsas ambições, de mil labores,
Se ouvisses o que meu coração pede
Verias quanto o meu coração mede.
Confesso ser difícil, ser complexo,
Mais que um jardim plantado de mulheres
O alívio vem da música, prazeres
Insuflam-me a beijar-te o estreito sexo
E colorir-te os dias, dissipar-te
Tua tristeza que me destrói em arte
Meu corpo agora jovem pode e pede
Pelo teu corpo, minha alma por ti,
Teu corpo nu que tantas vezes vi,
Um peixe preso no meu corpo em rede,
Recuso ser pecado este querer-te
E a vontade impedida de prender-te.
Não queiras ver-me pedra a afundar-me,
No lodo verde que há na vida espesso
eu viro-me e reviro-me do avesso
Já basta não saber bem explicar-me
Que vale ter de mim conhecimento,
Se não vier de ti reconhecimento?
Sou beija-flor que beija a tua flor
És sal da terra fino, branco e rico
Não poderás ser sombra onde me fico
Cativo entre a miséria e o esplendor,
Tatuei na minha alma teu rosto lindo,
E o tempo passa, e a Morte, enfim, vem vindo.
Fechei o livro, ansioso à tua espera
Deixei-o, a um canto. O livro não me ama,
És a rosa que o poeta aspira e chama
No início da belíssima Primavera
sou carne e osso e tu és carne e osso,
Tu forte fortaleza, eu fundo fosso.
Eu Ícaro imprudente, tu, meu sol,
De ti, ousarei sempre aproximar-me
Mesmo sabendo estar a condenar-me
Honrando-me um lindíssimo arrebol,
E no mar caio com tremendo erro
De tentar compreender-te, a fogo e ferro.
És dédalo mental, meu labirinto
Onde me encontro e bem cedo me perco,
Aperto, mais o círculo, mais o cerco
Luto pra não ser bicho raro, extinto
ando na corda que duas margens liga,
e acabo por cantar mesma cantiga.
Confesso-te, não sei dançar a valsa,
Que à noite eterna danças, diariamente,
Num sono profundo, deprimente
Tornando-me essa história do amor falsa,
Bem sei que o amor não vive só disto,
Mas o amor não existe, amor, sem isto…
É humano procurar-se ouro em vida,
Porém, no sítio errado escavamos
E continuamos, e nada encontramos
E à deriva, nossa alma anda perdida,
Em escuros bosques onde rugem feras,
Sombras, fantasmas, onde ninguém esperas
Onde armadilhas armam-se, fatais,
E os lobos mostram-se pouco amistosos,
E os cogumelos crescem venenosos
e as flores têm espinhos e punhais,
E as árvores rostos esguios, macilentos,
E as águas, se bebidas, dão tormentos.
Mas quem disse que o ouro é valioso?
Quando tem mais valor o teu sorriso,
Se me aproximo mais do paraíso
Se me aproximo ao teu corpo formoso
E mil carícias soam a endechas
De afecto. Então, amor, por que te queixas?
Não vês que me tornei vulcão da Islândia
Que entrara em erupção, não se conteve
E com ardente lava poema escreve
E derrete a alva neve na Gronelândia
E derrete tua gélida tristeza
Que te congela o corpo de fraqueza.