Quem nunca se sentira só no mundo
Na multidão, seara imensa humana
Sentindo ter batido lá no fundo,
Tentando encontrar cura ao que lhe dana?
Ou alvo cisne andar num lago imundo,
Ou negro corvo no ar que nunca engana?
Não estás só, gentil leitor amigo
Seja-te este poema bom abrigo.
Que foi que me lançou nesta árdua empresa,
Expressar em verso íngreme solidão?
Às vezes a alegria, outras tristeza,
Murmúrios das águas do coração,
Convenci-me ter sido a Natureza,
Que me chamara. Bem, é ilusão
Nunca encontrei nada que justifique
Que outro querer melhor se prontifique.
Ao ler um livro, esqueço-me que passa,
à frente a vida num louco cortejo,
Meu ser é irreversível, embaraça
A língua gestual do meu desejo
Que austero me comprime e descompassa
Ser livre, tornou-se meu ensejo,
Por mais que encontre, falta-me equilíbrio,
O meio, o vivo extremo, o desequilíbrio.
Quem nunca em suas faces encontrou
Rosados tons, do íntimo embaraço
Ou quem nunca vergonha demonstrou,
Tolhendo, frase inculta, certo passo?
Quem nunca infeliz, feliz se mostrou
Disfarce inútil, eu que não disfarço,
Porque não uso máscara no ofício
Mais sofro, nesta via do suplício.
Tento manter direito o que me entorta
Mentira inventar quem ser não pretendo
Custa-me ser actor que se comporta
Segundo um guião escrito. Não entendo
O corpo sustentar com alma morta
Sorrir sem ter vontade, vai-se vendo,
Porém, sorriso engulo. A falsidade
Causa-me enjoos, náuseas, na verdade.
Dedico este poema aos sonhadores
Poetas, aos anónimos artistas,
Tornaram-se na terra sofredores
Àqueles que não vêm nas revistas
Jornais e televisões, tão promissores,
Talentos, mas que nunca dão nas vistas;
São sombras ocultadas nas cortinas
Porém, autores são de obras divinas.
Por muito que me espante quem se esconde
Do mundo, exibindo sua obra
O que mais longe vai, não sei para onde,
Que o duro ferro, em vida, férreo, dobra
Porque não sonha ser barão ou conde
Recusando convite vão da cobra,
Que, com altos caprichos nos seduz,
E à perdição sinistra nos conduz.
Tanto alimento, a vida, nos of'rece,
No tempo, passo a passo, abundância,
Perco-me no fascínio que arrefece
Esculpindo o mármore bruto da ignorância
Imagem espantosa que aparece
No mundo inesperado da inconstância,
O sol espalha pela terra o ouro,
Saúdo os que vêem nisto alto tesouro.
Ó Céu que colorido te apresentas
Qual tela de Romeu e Julieta
Beleza tens, e nunca representas,
Na exactidão expressiva de poeta
Vejo-te em chamas, fogo que sustentas,
Que às nuvens pinceladas Sol decreta,
Seja este entardecer poema ardente
Pra que se glorifique eternamente.
Para dar conta disto há que isolar-me,
Sem magoar quem muito me ama e estima,
No Paraíso Perdido encontrar-me
Na musicalidade de uma rima
Podendo, neste céu, equilibrar-me
Fingir Deus ser pintor lá muito em cima
Puxando rédeas à melancolia,
Sendo mais proveitoso o claro dia.
Que importa não ser-se celebridade,
Tornar-se um servo vil da fama e glória
Foi Buda um dia em busca da verdade
Escrevendo ignorado sua História
Porém, é mais um deus na Humanidade
Que se propagam gritos de vitória,
Mas sobre a fé, saibamos ser discretos
Sinais de Deus nunca foram concretos.
Teu mal espanta!Canta uma canção,
Eu que não canto há muito, sinto a falta
Cantar para espantar a solidão
Com cores variadíssimas, que esmalta
O espírito, alma, corpo e coração,
Ode à Alegria que a todos exalta
Sintonizado co’o Belo e Divino
Livre das incertezas do Destino.
Soubesse ser feliz, feliz seria,
Se interrogasse mais o céu imenso
O mar ouvisse mais, talvez teria,
Temperamento igual, feroz, intenso
Com ventos iracundos gritaria
Manhosa dor que sinto por extenso
Despida solidão, jamais a quero
Amante que me envia ao desespero.
Soltar-me dos caprichos corporais,
Insípidos, pesados, carrancudos
É meu desejo; surjam musicais
Meus versos sejam fruto dos estudos
À noite, com fantasmas imortais
Que em mim moram; fora de mim, são mudos
Mantendo com fantasmas bons diálogos.
Curioso, pois com gente são monólogos.
Ficaram-me palavras flutuantes
Luas sobre Damasco à noite quando
Estrelas, testemunhas cintilantes,
Assistem quando um mal nos vai soltando
Suspiros impotentes, tão gritantes
Quando terror e Morte vão mostrando
Sanguinolentos campos de batalha
Na Babilónia antiga, Ódio se espalha.
Lá mora um mal perpétuo que esperança
Tornou-se, igual ao vil ouro, riqueza
Não há de noite e dia confiança,
É própria sombra truque da incerteza
Ali, ó Aristóteles, temperança
É violentada como a Natureza
Como extraímos do Ódio vil peçonha
E surja a manhã nova mais risonha?
Quando poderão ver mais claramente
O fim àquela funda escuridão
Vencendo a luz sublime do Oriente,
Dourando o sol que inspire mansidão
Torna-se bom remédio repelente
Do ódio que lá mora sem Razão,
Que verso milagroso cante um dia,
Às portas da imunda tirania.
Que derramado sangue se converta,
Em água fresca, pura e cristalina,
Faça-se em mim a nova descoberta
Querer alto saber que nos destina
Às almas simples ver quanto liberta
Saber tudo que um bem maior ensina.
Amor, que amplia e move o Universo,
Dá-me amplitude e cor ao magro verso!