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POESIA ÀS ESCONDIDAS

Poemas escritos por António Só

A Cidade (poema não corrigido)

Janeiro 29, 2009

Encurta-me a distância, ó cidade cinzenta em que vivo,

Sobre o que sinto, sobre o que exprimo, sobre o que vejo

Nos  altos prédios, novas Argos, de cem olhos de vidro molhados

Depósitos repletos de gente cheios de intriga,

De lágrimas escondidas, suor, ócio… uma vida,

Inteira a repetir-se no vago cruzamento de olhos,

De rostos, esculpidos com arte por cinzel de mestre,

Do invisível, do inexprimível, do indelével,

Beleza a revelar-se nos tempos que serão também antigos.

 

Comovo-me à passagem do tempo,

Abrindo pesados portões da sensibilidade expressiva

Atravessando ruas, sem que pare e espreita as almas por dentro,

Ambíguas, vastas, complexas, estreitas, inúteis,

Como ter um jardim sem cuidar dele,

Sem cortar caprichos humanos que crescem ao avançar do dia,

Ó céu de língua de trapo, vestido de rotos andrajos,

Festivo, nos dias de sol, fechado nos dias de chuva,

Nunca me darás respostas, podendo vaguear nas nuvens,

Passeio dos eleitos, tapete vermelho da fama estendido

Aos que o amor é mais que uma mensagem escrita nas paredes.

 

Abre à minha alma os braços nus, deixando-a ampla e solta

E ser invisível no seio materno desta cidade abrasada,

Vítima ofegante do antigo progresso do Mundo,

Onde se riscam horas de delícias e prazeres nas paragens

Dos autocarros, comboios, barcos, aviões e lares

Único lugar – quem tenha o doce lugar – onde somos

Livres, cuspindo raiva e nojo como se na língua

Houvesse incómodo engolir palavras obscenas.

 

Ah, rios de gente compactos, afluentes e mar onde desaguam

Almas vulcânicas trazendo fogo ardente e vapores,

Entrando, saindo, voltando a entrar, esquecidos, por vezes,

De onde vieram, quando quebraram o laço da vida,

que prazer teria abraçar a pobre velhote aleijada,

Seu rosto, escritura criada no tempo, levada no tempo

E ir ter com todos os loucos que pregam fins do mundo,

Mulheres que levam sozinhas crianças ao colo,

Verdadeiras amazonas, flores mirradas de dor e cansaço,

Enquanto o marido, indiferente de si e dos filhos

combina, num quarto qualquer longe da vista de todos

Um encontro secreto, resto zero dum romance idealizado,

E amor não é isso, não pode ser só isso

É outra coisa qualquer com aspecto de fantasma

Que não se vende nas lojas, armazéns, grandes superfícies,

Nem aterram seguros em pistas, nem rolam nas estradas,

Nem andam por escadas rolantes ou elevadores,

Nem fazem reservas de quarto num hotel de luxo,

Nem são as luzes ofuscantes das lojas barulhentas

Nem vêm nos manuais vendidos nas feiras do livro.

 

E as largas avenidas decoradas árvores despidas

Agitando selvaticamente seus ramos-cabelos,

Perdendo folhas cobertas de pó e de nervos de aço

Ouvindo histórias incríveis que se ouvem nas ruas,

Candeeiros, sempre calmos, quietos, tranquilos,

Dando claridade suficiente para não sermos gatos à noite

Espalhados no escuro, um relicário aceso de velas,

Que olhando-as fixamente, choram, tremem de medo,

E as estátuas, sempre cúmplices, suspeitas, trocistas

Têm olhos que parecem mover-se falando em segredo,

Se paramos à sua frente para contemplá-las

E imaginá-las com vida em vez dum martírio branco,

Ou verde, de estanho, ou de lixo, ou de pedra,

Cimento, de areia, metal, aço ou diamante,

Profundamente frágeis, como azulejos antigos,

Roubados por gente que é fruto da miséria moderna,

Porque é preciso haver miséria para se querer sair dela,

Haver lodo, haver pântanos, haver lama e imundície,

Vivendo agressivamente por instinto, feroz crocodilo,

Abrindo fatal as mandíbulas com alma e requinte,

Sobrevivente para nada, sobrevivente a tudo.

 

Ah, cidade que cresces sem compasso regra e esquadro,

Que fazem os deuses antigos, nesta mesma hora de Inverno?

Que lutas trava Teseu? Que amantes terá a doce Citereia

E Adónis, caindo nas graças da deusa coberta de graça e ardil,

Usando vestidos, mantos coloridos riquíssimos do inesperado,

Andando de olhar vago, pregado ao chão por romance?

E as pobres embaraçadas Ios amadas por quem na mão

brande ferozmente terrível o chicote, levando nuvens

Cobrir lugares comuns de névoas, nevoeiros e chuvas

Suspirando de alívio por Juno ter ido às compras.

E Baco? Terá virado barman em alguma discoteca,

Ou serve cafés lá em cima do alto, no cume,

Do desconhecido, do inatingível vertendo continuamente

Aquele doce licor que tem a cor do entardecer.

 

E a eterna luta travada por anjos e demónios,

Num campo de batalha celeste, ao nosso lado ou entre nós

Em lutas desiguais, em desvantagens numéricas,

Entre estupidez e inteligência, bondade e grosseria,

Forte e fraco, Bem e Mal, sem saber-se qual a causa,

Numa imposição severa de haver mesmo um Céu e Inferno,

Milagres impossíveis, as intermináveis listas de proibições,

Campos de trigo e metáforas comuns a todas as religiões,

Filosofias e doutrinas, melhor que a tua, melhor que a minha

Fazendo caretas infantis umas às outras, morrendo por isso.

 

Mar de cabelos trazendo o reino da flora até mim,

A sensação provocado de sentir perto o paraíso,

O riso nervoso, o pedido de desculpas quase inaudível,

E o comprimir de pernas, braços, mãos, cabelos, cheiros,

Almas, corpos, espíritos, ideias, vontades, caprichos

Tentando espantar a noção terrível de nossa fragilidade,

E eu sentir-me vivo no meio disto, tendo a noção que vivo,

como aquela criança se ri, e o mundo é o brinquedo

Que segura na mão, ingénuo, ainda puro, ainda livre,

Como se fosse capaz de conquistá-lo e alterá-lo,

À sua maneira inocente, debaixo da sua imaginação,

Longe da ideia que mais tarde será sempre à mesma hora

Este comboio que me leva, estes versos que escrevo,

Este encobrir incompreensível das nossas vidas

Como este poema escrito interromper-se por faltar-me

A Liberdade que concede ao poeta o ritmo perfeito

De andar num feliz segredo por esta louca Cidade….

Dor e fel

Janeiro 28, 2009

Esmoreço numa folha de papel,

Timbrada de mistério e vil segredo,

Descubro a porta que abre meu segredo,

Envolto em bruma, raiva, dor e fel.

 

Descendo a escada em forma de espiral,

Encontro-a à frente nua a ensaboar-se,

De vê-la, sem ter pressa, não tem mal

Na banheira, minha dor a masturbar-se

 

eu ando sem que sinta o chão que piso,

Inquieto, fico num lugar dormente,

Por isso fui espreitá-la no seu banho,

 

A solidão vem sempre sem aviso

Beber-me a inspiração sofregamente

Acabo por sentir-me louco e estranho.

A um falso...

Janeiro 26, 2009

Que hipócrita! Que crápula sem escrúpulo,

Mandíbula de cobra. Que cabrão

Usando a rude mão no másculo músculo

Com que se arrasta à sua solidão,

 

Que amarga a vida amarga a vida e gera,

Nas sementes, nas palavras, na postura

Que a vida doce a vida adoça, à espera

Tornar uma alma impura noutra pura.

 

Quem julga e se convence vencedor,

Sobre o vencido, é louco, presumido,

Não se julgando, nunca se vencendo

 

Quem nunca se julgou é perdedor

Nem se acha cá na Terra esclarecido

Em sua imagem suja se perdendo.

O melhor caminho

Janeiro 22, 2009

Sentindo o tempo andar com passo lento

Voando rapidamente numa hora,

Humilde não direi que vivo invento,

Mil formas de mandar o tempo embora.

 

Dá-se maior uso aos cinco sentidos

Se não dormimos sonos bem pesados

Recuso andar perdido entre perdidos

Ficando entregue assim aos meus cuidados.

 

Se perder-me deverei, então sozinho

Seguirei o caminho que inventei

Não sigo, amigo, o rumo que traçaste,

 

Podendo achar por mim melhor caminho

Nos lugares do Tempo que encontrei

Que nunca encontrarás nem encontraste.

O Indesejável

Janeiro 21, 2009

Não tenho inspiração, só uma obsessão

De estar além da linha do horizonte,

como embarcar na barca de Aqueronte,

Por não ter o teu seio na minha mão.

 

Não há desculpa nesta combustão,

Bem sei que a culpa inútil não é tua,

Mas sofro ao ver-te bela, ao ver-te nua

Por não ter-te entre a espada e o coração.

 

Ilumina-me, amor, não me elimines,

Sê minha amiga, não minha inimiga,

Sem jogos de cálculo incalculáveis;

 

E o campo, ao paraíso, não mo mines

Com mesquinhez, desdém, desprezo, intriga.

Esses desejos são indesejáveis.

O Triângulo Amoroso

Janeiro 20, 2009

Ó frio gelado, ó vento irado, ó céu soturno

Ó véu coberto, ó sol oculto, ó sombra, ó nada,

Ó face triste, ao céu resiste, astro diurno

Ó mansidão do coração, alma esgotada.

 

Na minha boca, a gota de água, revigora

Frase sumidas, arrancadas das raízes,

Na minha mente, impaciente, geme e chora

Que coisas lúgubres, ó céu, que tu me dizes!

 

Cerras os punhos e teus dentes pelas serras

Lanças insultos, nas cidades, nas aldeias

Quebras os ramos, violinos, gritas guerras

Trazes violência, Força, à terra das sereias.

 

Nem Vénus forte, com semblante tranquilo

Consegue amar-te, serenar os quatro irmãos

Cospes, praguejas e gracejas intranquilo

Sufocas ninfas, deusas, mães com rudes mãos.

 

Deste ouvidos ao que Rei no fundo abismo

Reina iracundo teu irmão no além profundo

Que fica só, quando repleta de erotismo

Sai a linda deusa e de cor veste o mundo.

 

Muito estimada, pela fauna, pela flora

Plena virtude de poética harmonia,

Durante o dia, até o sol se acende e cora

Quando a deusa passa, e cria fantasia.

 

É por aproximar-se o mês de Março. Fica

Perdido de ciúme de vê-la aprontar-se

Pois sabe que ela exibe o seio ao sol e estica

Um pouco mais a luz, no céu a incendiar-se.

O Barco de Papel

Janeiro 19, 2009

Gostava ser um barco de papel para ser posto,

Num longo fio de água onde pudesse viajar,

Deslizando, suavemente, conforme o vento, o gosto

Deixando de ser gente onde pudesse naufragar,

 

Farol da ilha, guia, minha barca que lancei,

Ao mar, de papel branco, em forma de jangada,

Oceano de palavras, nem sei quando comecei

No início era-me tudo, neste fim não me é nada.

 

Ser folha, estar no meio, naquele manto outonal,

Exalar o odor fresco do despido arvoredo

Andar nos ramos nus, ser bicho após o temporal

Sentir defronte o sol jovem logo bem cedo.

 

Ser gelo a derreter-me na erva humedecida,

Por um langor viçoso beijar a terra inteira

Servindo de refresco para a terra embevecida,

Ser gota que penetra nua a terra prazenteira.

 

Ser disco voador, ser lançado e devolvido

Ser levado pelo vento, flutuando pelo ar

Resgatado por sereias, ser amado no olvido

Atirado, dividido, pela terra, pelo mar.

 

Ser rio, deslizando lentamente pela terra,

Entrando na cidade, majestoso, natural

Levando minha música aquática pela serra

Na mansidão corrente, divina e triunfal.

 

Ser pedra, seixo, rocha, ser escolho ou rochedo

E receber a fúria melódica do Atlântico,

Ser exílio do poeta, lugar de seu degredo

Onde pôde livremente respirar o ar romântico.

 

Ser renda, ser abrigo dos teus seios virginais

Ser roupa interior, e cobrir-te o paraíso

Ser ave e sussurrar-te melodias irreais

Ser lago transparente que procura teu sorriso

 

Gostava ser a gota que regasse teu vergel

Da sede que te invade, da fome que te assola

Ser beijo memorável, mais doce do que o mel

Língua no teu corpo que desliza, que rebola.

É por amor

Janeiro 19, 2009

É por amor que grito com vontade,

É por amor que creio em ti, poeta,

É por amor que incito a Liberdade,

Deixando livre entrar o que liberta

É por amor que evito a vã Beleza

Oculta pelo véu que nos confunde,

É por amor que canto a Natureza

À espera que a tristeza mor se afunde.

 

é puro amor a cor desta violeta,

é puro amor sorriso de criança,

é puro amor a fúria que esta seta

prefura docemente e nos alcança

É puro amor na mor loucura feita

Contrária à voz que ouvindo da razão

Nos prende as mãos, às vezes, na desfeita

Soando maquinal no ouvido: Não!

Sobre o amor entregue à pessoa errada

Janeiro 15, 2009

Não é em vão que entregas,

O amor por ti criado

como tuas  flores que regas

No Verão tão abafado,

A outra alma disfarçada,

Ocultada por disfarce

Quis-te ter por bem amada

Um demónio a revelar-se.

 

Não é em vão que exibes,

Teu palácio amoroso

Não é em vão que inibes

Lado negro rancoroso.

Mil palavras lhe lançaste,

Mas num pântano, no lodo

Também nele te afundaste

De mau grado, de mau modo.

 

Bateu asas, o vampiro

Saciado de alimento

Seco, folha de papiro

Gelado de pensamento,

Caminhaste pela sombra,

De árvores envelhecidas

Encostada na penumbra

Ao lado de almas perdidas.

 

Mas não foi em vão beldade,

Lá no fundo se sabia

Que no amor é crueldade

Querer quem não nos queria

Pela força, nunca se ama,

Não era amor, não era nada

Quem nos ama, tem estima

Sente-se a alma aliviada.

Confissão erótica

Janeiro 14, 2009

O que me falta, amor, não vou dizer-te,

Nem sei se é por vergonha, medo, enjoo,

Não é romance! É mais um gozo, um voo,

Que temos quando acabo de envolver-te,

 

Meus lábios nos teus lábios; no delírio

Rosado que te tinge de prazer

Teu rosto agora é rosa, era antes lírio,

Co’a palidez mortal do amanhecer.

 

Amar-te sem pudor ou pensamento,

Num compulsivo espaço nu exótico,

O que nós dois gostamos no momento

Ninguém lá fora sabe, ó anjo erótico.

 

Na baça luz que envolve o quarto escuro,

Sente-se em baixo ardente fogo vivo

Convoca sangue ao membro rijo e duro

Se em ti me encontro amado, amor, cativo.

 

Meu dedos persistentes, peregrinos

Descobrem no teu corpo a divindade

Meus olhos curiosos são meninos

Brincam às escondidas sem maldade.

 

Fechando os olhos têm-se o infinito,

Abrindo-os… vejo-te e... sinto a verdade

Há mais filosofia nesse grito

Que não conténs e gritas: Liberdade!

 

Sente-se  o gelo em volta derreter-se,

Sente-se a primavera a aprumar-se

Sente-se a própria vida a envaidecer-se

O nosso amor na tela a revelar-se.

 

“Que as horas sejam longas”, logo penso

Neste entretenimento afrodisíaco

Lugar em que não sei onde pertenço,

Belíssimo lugar paradisíaco.

 

Sente-se a rapidez nos movimentos,

Clássicos, na dança da serpente,

Evolam-se deveres, pensamentos

Da minha langorosa e louca mente.

 

Na mesma dança que duas serpentes,

Sem enrolam pra saber se vencedora

Dançamos, deslizando resistentes

A Vénus dando mais uma doce hora.

 

A exalação das frases amorosas,

Nervoso dedilhar dos trém'los dedos,

O copiar da cor das lindas rosas,

Cortando palavra aos inúteis medos.

 

São como brasas vivas na lareira,

Brilham nos olhos jóias e riquezas

Quando aquecemos beijos na fogueira

O gelo a derreter-se nas fraquezas.

 

Praias rodeadas de arvoredo

De fina areia, água transparente,

Vejo-te a vir correr logo bem cedo

Olhando o sol a erguer-se suavemente.

 

E como se as partículas dos seres

Se juntam nesta longa harmonia,

Sentindo a vibração destes prazeres,

Vislumbro um longo jorro de poesia.

 

Cortando a via ao nosso entusiasmo,

“Espera por mim”, sussurras, cá me aperto

Fecho os olhos na praia dum orgasmo

Abro-os e encontro-me no deserto.

 

Aquela paz que traz doce sossego

Num largo espasmo, lúbrica paisagem

Fica-se agasalhado no aconchego

Usando a língua agora outra linguagem.

 

Fecha-se o teatro, as luzes ficam,

Suspenso no silêncio adormecido

A nitidez das águas clarificam

Em que se fica calmo, esclarecido.

 

Puxamos os lençóis de sono feitos

Abrindo portas aos mundos complexos

Repouso dando aos espíritos desfeitos

Do louco entrechocar dos nossos sexos.

 

No céu, a Lua põe ponto final

A noite geme; emite sons suaves

Desfalece no sono em espiral

Como o cair dos céus das brandas aves.

Nova Centelha

Janeiro 13, 2009

Descubro ser estrela sem que indique

Contrária direcção à que tomei,

Espero encontrar água que clarifique

Por que escolhi andar por onde andei.

 

Que mãos empurram almas como a minha

Que batimento forte me acompanha?

Um diz-me ter um dedo que adivinha

Mas não sabe como a minha alma é estranha.

 

Torna-me leve, ó noite, o que me pesa

Ensina-me enganar esta fraqueza,

De ser-se, cá na terra, mais humano;

 

Já finjo que este vento me aconselha,

A encontrar em mim nova centelha

Que me reacenda e apague o meu engano.

Uma sonata

Janeiro 12, 2009

Chega a vez de entrar dentro da escura sala.

Acena-me brilhante um piano negro e nobre,

Grita-me” é a tua vez” ao longe, alguém se cala

A luz que me ilumina é a luz que alguém encobre.

 

Chega a vez de tocar minha alma de improviso,

Num lúgubre andamento, da pauta, a melodia

É uma voz que ganha um lugar no paraíso,

É uma voz que treme à clara luz do dia.

 

Um séquito de acordes, melódico aspecto,

Vencendo, claramente, os nervos que estiolam

Um vento invoca o Inverno, sopra, vem directo

Grita-me volúpias, prazeres que me assolam

 

Na musical contenda, a escada ao paraíso

Cercada pelos astros, surge por encanto

Surge como um clarão, nasce como um narciso

Num rio de palavras das águas do meu canto.

 

Um dia sem retorno, uma hora sem começo

Pálpebra da noite, cai lentamente e traz

O tumulto do dia que lúcido esqueço

Que a noite vem serena dar-me guerra e paz.

O Lago

Janeiro 09, 2009

Eu vou gritar primeiro a dor que sinto

Depois deitarei fora o que não presta

Bebo dum trago uma taça de absinto

Que um verde sonho e uma ilusão me empresta.

 

Depois, posso contar o que vivi

Se me entornar, deixem-me estar no chão

Não conto quantos copos já bebi,

Sabendo que esta vida é uma ilusão.

 

Dentro do copo, o que faz a Medusa,

Talvez queira dizer-me que reduza

Todo o licor bebido num só trago;

 

Mas eis que bela sai dentro do copo:

Maestro, toque um presto ma non troppo,

Bailemos juntos neste louco lago!

Poema interrompido

Janeiro 09, 2009

Distante do mar, tão longe de vê-lo,

Quero envaidecê-lo com versos salgados,

Subindo nas ondas do mar de querê-lo,

Vou enaltecê-lo com versos deitados,

Na duna, na areia tão fina, tão branca,

Na espuma, na onda, na vaga, na brisa

Suave, macia, no sol que me arranca

A praia que escrevo, a mão que me alisa.

 

Distante da terra, do monte, da serra

Sou torre que encerra meu alto segredo

Meu próprio degredo, minha ânsia voraz,

Que nada me traz nem paz, logo bem cedo,

Sou lira, e as cordas que sinto vibrar

Leves melodias, é um manto de penas

Num lençol apenas de azul e cetim,

São flores carmim, beijam minha pele,

Que alegre me impele andar longe do fim

 

Um límpido lago de estrelas e luas,

Na sombra flutuas, encanto de mago

Deslizas, afagas, soltas os cabelos

Sedosos e belos, que molhas, que afago

Nas cálidas águas, nas folhas de Outono,

Respiras no sono perfumes de flores

Lindas, vaporosas, crescendo do nada,

És linda banhada com púrpuras cores.

 

Distante das nuvens formando castelos,

Deslizam novelos de versos molhados,

Que são inspirados nas horas de vício,

Num longo suplício de vê-los cortados

Num lugar distante sempre onde não estou

Não sei quem eu sou, nem sei o que faço

Sou sombra, palácio, um abrigo de cor,

Onde meu amor divaga no espaço.

Amante Solidão

Janeiro 08, 2009

O que me amarra, o que me cobre e me sustenta,

O que me abriga, o que me abraça e me conforta,

O que me amarga, o que me dobra e aparenta,

Não ser a morte em causa, amor abre-me a porta.

 

Acordo de manhã com o acorde na cabeça,

Saio sempre à pressa em direcção ao nada,

Desperto vagaroso, à espera que me esqueça

Da rigorosa vida ao fundo duma escada.

 

E quando cai a noite cai minha tristeza

Como no chão se quebram copos de cristal

Acendo meu ouvido, escuto a Natureza

Soando no meu peito uma voz gutural.

 

Um bálsamo divino, um embalar de sonho

Leve como um fumo no ar a evolar-se,

Sobra-me um sorriso ao despertar risonho,

Do sonho que desperto, Beleza a revelar-se.

 

Canta a cotovia, ao longe, ergue-se a aurora

Com pétalas de rosa púrpuras no rosto,

Desperta uma cidade, duas, três; na hora

A entrar no lar do mar, suspira de desgosto.

 

Num ciclo vicioso, impossível de travar,

Dentro dum globo azul sou grão azul, ninguém,

Na roda gigante que não pára de girar

Eu giro num poema sem parar, e sou alguém.

 

O que me encanta e que me cobre de fascínio

O que me sabe dessa infância já perdida,

O que me lança, e que me encobre no declínio

É o lento despertar da esperança adormecida.

 

Ao longe, um luminoso raio me ilumina

Caio receoso na funda escuridão

Aumenta, sinto perto, esta luz cristalina

Cegando o penetrante olhar da solidão.

 

Soneto do género feminino

Janeiro 07, 2009

Que amor te prende, flor? Que dor te invade,

Que nuvem cobre a luz que há no teu rosto,

Murchando, lentamente, carregado

De nuvens negras que por cima passam?

 

Que verme sorve tua tenra idade

Que inquietação te estreita e dá desgosto

Sentou-se a solidão mesmo ao teu lado

Que tentáculos da vida te embaraçam?

 

Que negra mancha tinge o oceano

Dentro de ti? Que sensação funesta

Prende mãos macias teu sorriso?

 

Que tempestade veio dar-te dano

Antecipando o fim da nossa festa

Dada dentro do nosso paraíso?

Mudanças

Janeiro 05, 2009

Antes era desejo, era loucura, era paixão,

Não sei se agora dou a uma bomba mão,

Tão pálida vieste como a Lua quando vem,

Deixar amor de prata no rio que convém,

 

Antes a primavera parecia a Primavera,

Aparecia como amante sofredora que não espera,

Vieste dolorida, com a cor do entardecer,

Vieste colorida com a dor que faz sofrer.

 

Antes era soneto, serenata, sinfonia

Se te olhava, livre andava, sem pensar em poesia,

As noites se encurtavam, meu amor, no nosso leito

Se te amava, sem pensar no amor e preconceito.

 

Pois bem! Deixou de ser! O que vier que venha

Como se fosse um conto, um mito, ou fase estranha

Não quero em nós eclipses nem tremor de terra

Antes o que era paz não se transforme em guerra

No que penso se me desleixo

Janeiro 02, 2009

Não sei se foi por ter deixado a escrita

À espera numa sala abandonada

Não sei se foi por ter alma proscrita

Talvez a inspiração me foi vedada,

Não sei porque ando de boca fechada

Cessando o brilho límpido dos olhos

Não sei porque deixei ficar na entrada,

À espera, entrar a voz vinda de escolhos.

 

Sossego só num canto num segundo

Em que me possa ser mais uma hora,

Deixei que entrasse o vício moribundo

Vencer por não o ter mandado embora

Bebeu de mim o meu último copo

Paguei-lhe a conta grávida de culpa,

Foi-se com a brisa, aragem, sopro

Não serve minha insónia de desculpa.

 

Ando à minha procura nas memórias,

Sem que esse fosse meu maior intento,

Ando à procura de magras vitórias,

Só com a força do meu pensamento,

Do amor, ando à procura nos rochedos

Nos bosques, nas florestas, nas cidades

Procura nas mentiras, as verdades

que me drenem da alma ânsias, medos.

 

Eu penso que ‘inda posso minha herança

Da mais alta grandeza enriquecê-la,

Também penso que posso ‘inda perdê-la

Se esqueço no desleixo ter esperança,

Julgo poder ainda entender-me

Do humano impulso ir longe onde me possa

Esclarecer de vez, mas dentro engrossa

O medo de deixar-me, de perder-me.

 

Ao longe um rio deitado sobre a terra,

Banhando verdes campos de paixão,

No miradouro do meu coração

Avisto ao longe Sintra e sua serra

O mar, a espuma, o sol, o vento, a rocha

Tudo me encanta, tudo me inebria

Tudo me move, tudo me extasia

De despertar com esta Aurora roxa.

 

Quero esquecer que amanhã mudarei

Quero reter a luz quando amanhece,

Aquela claridade que não esquece,

Por que porta no mundo aqui entrei,

O por do sol pertence a toda a gente,

Como um jardim dentro de uma cidade,

Contemplação! Que saiba, na verdade,

Só posso possui-la em minha mente.

 

Coro de vergonha. Sou humano

Finjo que um deus corar também queria

Choro a música que vem neste dia,

Manter-me fora deste meu engano.

Sonho que posso abrir o céu imenso

Rasgar nuvens, despir o sol de trapos

Oferecer à Lua guardanapos

Por se babar de saber no que penso.

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