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POESIA ÀS ESCONDIDAS

Poemas escritos por António Só

O Mar do Esquecimento

Novembro 30, 2007

Ao fim da tarde, o Sol vem procurar-me,
Tocando no meu ombro com seus dedos,
Brilhando nos espelhos, nos meus medos
Dizendo em troca: “Vem! Vem contemplar-me!”
 
Vem revelar-me o sol os seus segredos,
Sussurra-me que: “Eu, sim, posso queixar-me
Eu tenho sempre o Tempo a controlar-me,
Sou personagem vil em iguais enredos”
 
Desvio-me da graça que me deram,
Viver onde meus sonhos desapareceram,
Resta-me enfim, co’ o Sol, enlouquecer;
 
Arde-me a mente em verso, em pensamento,
Seduz-me o sol no mar do esquecimento,
E lá vou eu ansioso para o ver.

Um mel amargo

Novembro 30, 2007

Zumbem cá dentro os versos como abelhas,
Ferrando lentamente os seus espinhos,
Como as flores formosas e vermelhas,
Rasgando a minha pele com seus dedinhos.
 
Lançam-me, estes demónios, escarninhos,
Lambendo a branca espuma da sua boca,
Entornam-me na alma amargos vinhos
A mão que não me inspira e me sufoca.
 
Cismo em escrever como ar pra respirar,
Esvaziar-me no Nada, e drenando,
Vou contra as nove musas conspirar.
 
Ensina-me a parar quando mais devo,
Pois este sol de Inverno vai cegando
Teus olhos que a contemplar não me atrevo.

De madrugada

Novembro 30, 2007

Ainda nem sequer rompeu o dia,
Nem a princesa Aurora abriu as portas,
As horas soam mortas,
Não vejo a poesia,
Lúgubre retracto de quem verte,
As lágrimas salgadas por não ter-te.
 
Musa, porque espalhas com teu rosto,
As rubras cores, tímida e distante,
Pelos campos com gosto,
Neste frio cortante,
Rosado tom, com gesto purpurino,
Do mundo as coisas com jeito menino.
 
Silêncio! Pela voz da madrugada,
Embrenho-me na sombra em pensamento,
De ter-te aprisionada,
Nos meus braços, isento
Do ter o meu dever de hoje cumprido,
Não ver no verso um traço repetido.
 
Um surdo latejar de sangue espesso,
Borbulha neste império frágil, doce,
Já rompe o sol. Esqueço
À volta o que me trouxe,
Rompendo o meu amor as hostes negras,
Se com teus olhos aos meus beijo entregas.
 
E o espesso nevoeiro por encanto,
Fantasmagórico, calmo, debanda
O fino, húmido manto,
Dança, ergue-se e anda,
Nos passeios, nos rostos entre a gente,
Surgindo o Sol já calmo e lentamente.
 
Fixas, as estrelas permanecem,
Como um colar de pérolas da Lua,
No seu pescoço, e tecem,
Enigmas. Mas amua,
Co ’ as fieis seguidoras tão brilhantes,
Deixando-me saudades coruscantes.
 
Estarei à vossa espera, à mesma hora,
(Estou sempre à mesma hora com meus olhos,
Líquidos, sem demora)
Colhendo o Belo aos molhos,
Fazendo um colar novo à minha amada,
E com meus versos vejo-a embelezada.

Peço-te!

Novembro 28, 2007

Tens os encantos lúcidos dourados,
E azuis, como as manhãs da Primavera,
E os teus lábios pequenos, são pintados,
Com rosas a que minha alma prendera,
Teus braços, tão macios, delicados,
São sempre abraços dados de quem spera,
Por momentos na vida já passados.
 
Compara-me ao teu rosto. O oposto vê-se,
És dia, eu noite, e nem por um instante,
Me lembro que escureço. E anoitece,
A prateada Lua, confiante,
E nem me importo tanto, pois esquece,
Que me serena o canto. Pois que cante
Nocturna melopeia que me aquece.
 
Diz-me para onde vamos de mãos dadas
Tu que aprisionas meus impulsos,
E as minhas ânsias de alma são levadas,
Por ventos furiosos e convulsos,
Guia-me a montanhas nunca alcançadas,
Soltando os meus já azulados pulsos,
Leva-me às montanhas nunca sonhadas.
 
A Dois Templos pensei erguer-te e honrar-te,
Dos meus delírios fortes e cansados,
Onde em segredo, amor, possa adorar-te,
No teu corpo meus olhos repousados.
Sem um distúrbio solto, não na arte,
Voando, em bando, a ti, versos alados,
Qual rouxinol voando pra cantar-te.
 
Mesmo os poemas onde ando perdido,
A ti ousar te peço humildemente,
Que por ti lidos sejam, se esquecido
For pelo mundo. E serei certamente,
Sou pelo céu e estrelas iludido,
Deter o universo em minha mente,
Sou quem tropeça e vive enlouquecido.
 
Dá-me a tua fragrância, essa brandura,
Esse teu jeito lindo onde os meus olhos,
Encantados se prendem, na ternura,
Lembrando as águas calmas entre escolhos.
És fonte, de água fresca, de água pura.
Cresce à minha volta versos aos molhos,
Como velas tremendo em noite escura.
 
Uns vestem a Loucura de farrapos,
E de mulher fingida vil, cruel,
Vestem a Razão com os melhores trapos,
Das duas, meu amor, é infiel.
Nesta borrasca, torno os versos aptos,
A ser a fonte pura de água e mel,
Beija-os: torna-os príncipes de sapos!

Minhas asas da Poesia

Novembro 27, 2007

Se passavas, meus desejos,
Eram chamas de ilusão,
Sonhava abraços, beijos
Bem dados no coração,
Qual estrela matutina,
Vem alento dar-me ao dia,
Eras flor e uma menina,
Meu retrato da Poesia.
 
Mas meu corpo, ó rosa amada,
Torpe andava de ilusão,
Não era Amor nem nada,
Era sombra, era paixão,
Era flâmula inquieta,
Veneno nos meus sentidos,
Mas agora, rosa aberta,
Não há mundos divididos.
 
Sem saber ou descobrir,
A minh' alma em ti pairava,
Vago corpo a refulgir,
Era espectro que assustava,
Acabei, ao te beijar,
Descobrir o que era doce,
Acabei por te adorar,
Qual fiel um crente fosse.
 
Teu rosto é uma promessa,
De no céu anjos cairem,
Tens a pureza em ti expressa,
De jóias a refulgirem,
Dou por mim de boca aberta,
Como a lua cheia... «Espanto!,
Meu luar é prata incerta,
Neste rio de tanto encanto.
 
Minhas asas de poeta,
Meu mármore de escultor,
Meu arco da fatal seta,
Disparada com ardor,
Meu Amor puro, sincero!...
Descobrir-te enquanto vivo,
Meu anjo. Como te quero,
Ter-me em ti sempre cativo.
 
Olho a rosa, a margarida,
Branco lírio, amor perfeito,
Vejo teu rosto, querida,
No Sol, sou gelo desfeito,
Oiço o canto: a cotovia,
Rouxinol ou ave exótica,
Sacra Musa da Poesia,
Pura, bela, doce... Erótica...

Mortal Canto

Novembro 26, 2007

Os versos  trazem cores sepulcrais,
Os meus, não quero lê-los nunca mais,
Já basta as vestimentas deste Inverno,
Que dentro de mim mora sempre eterno.
Que inspiração aquela que derrocam,
Terras, e que línguas não se tocam?
Que Musas se inspiravam? Que martírios,
Que cores tinham os seus brancos lírios?
Cortantes versos dilaceram almas,
Que – como eu - nunca alcançam suas palmas,
Folhas de louro, ouro, pedras preciosas,
Que calam línguas de amor desgostosas?
Que cor tem o teu pranto, ó poeta amargo,
O sal que não se bebe só de um trago?
Que imortalidade tem os poemas,
Que elevam sepulcrais e mortais temas,
Mas, ó gente sofrida, expressem bem,
O que de melhor a nossa alma tem.
Se ó gente, viste o sol jorrar seus raios,
Como os amantes sobre os seus desmaios,
Sem ter que pertencer a um lado o outro,
Pousando num ramo, e pousando noutro,
Então escrevam nas húmidas areias,
Esperando serem lidos por sereias,
E possa o vosso canto ser eterno,
Enquanto a Vida for sempre este Inferno.

Estrela Cadente

Novembro 26, 2007

Nem céu azul macio, suave, acolhe,
Meu corpo envolto em nada, envolto em bruma,
Admiro quem no mar um rumo escolhe,
Admiro quem à Eternidade ruma.
 
«Traça, firme, um rumo sempre certo!»
Alguém me grita sem que me conheça,
Um verdadeiro herói, um desconcerto,
Não tendo alguém que o ame ou reconheça.
 
Ouvir, seguir os passos sempre certos,
Guiado pela máquina do mundo,
Sentir mesmo as mesmas dores e apertos,
Mesmo vivendo cego e moribundo.
 
Vaidade ser para alguém uma estrela,
Um guia, confiando a própria Morte,
Fingir ter enganado a sentinela,
Que guarda a mansão de ouro desta Sorte.
 
Meu pensamento alcança o promontório,
Onde furioso, o mar, embate e esmurra
No meu papel, eu escrevo o verso inglório,
Cantando-o à minha Musa que me empurra.
 
Salva-me do abismo, amada e Musa,
Estende-me a tua mão que me estendeste,
No reino vicioso da medusa,
Que embaraço me deu e tu não deste.
 
Pois sinto a mão do tédio no meu ombro,
Pousar, tão amistoso em simpatia,
Falsa me levando num assombra,
Cansar-me com enfado e Poesia.
 
O Tédio quer o jorro do meu sangue,
Detém o Dom das Trevas, os seus olhos
Alcançam meu pescoço, corpo exangue,
Lançando-me vazio entre os escolhos.
 
Sinto um ardor nas pálpebras pesadas,
A víbora entre as pernas, se enroscando,
Sinto um caos na mente, e arrancadas
Todas as flores que foste tratando.
 
Sou papel branco imaculado, e o tédio
Borrão grotesco, lama ou nojo ou Nada,
Gerada a minha dor foi neste assédio,
Sofrendo deste amor forte emboscada.
 
Dois mundos, no meu peito, colidindo,
Entrechocando-se à frente de escudos
E a minha mente igual não vai explodindo,
Em mundos áridos cegos e mudos.

Deambulações

Novembro 26, 2007

Terei secado a fonte,
Dos versos que te escrevo,
Dos versos que te lanço,
Que lê-los não me atrevo?
Terei vencido o dia,
A sustentar teu pranto,
Hoje, que nada inspira,
Calado está meu canto.
 
Estendo à noite a mão,
A ver se as estrelas caem,
Repúdio ao coração,
Que versos alguns saem,
Sou garrafa no mar,
Que vai boiando até,
À costa dar sem jeito,
Sem esperança ou fé.
 
Que fé pra meu sustento,
Se a fome é negra, é vã,
Não estar de nada isento,
Não ter lábios de Pã,
Mas esquece, mordaz vida,
Que eu possa aventurar-me,
Por telhados de vidro,
Voando e, enfim, cortar-me.
 
Vem, passa, e nada diz,
Tão gasto rosto, um susto
Estraga-me o que fiz,
A Vida, um deus combusto,
Mérito algum, não volve
Em palavras, poemas
Em nada desenvolve,
O ser de alguém emblema.

Aos da farda azul

Novembro 22, 2007

Vesti a farda azul e parecia,
Haver em frente o Tempo inteiro, e os anos,
Passavam calmamente sem ter danos,
Qual estro abençoado na Poesia.
 
Mas houve um deus que tal assim não queria,
Depôs-me à frente as horas, os minutos,
E nós, soldados trémulos e putos,
Marchávamos inscientes todo o dia.
 
Deixei-me escorregar pela vontade,
De ter ao lado quem eu mais amava,
Do peito, germinava eterno orgulho;
 
Criados na fraqueza e na verdade,
Saindo em bando, voando, eu me soltava,
E agora vivo atolado de entulho.
 

Pura Vaidade

Novembro 22, 2007

Uma gata ciosa independente,
          Na almofada vermelha,
Perfume, à volta, as rosas exalavam,
          No rosto, uma centelha;
 
Nova dava aos olhos despertando,
          Na sinfonia, o Mundo
Novo, meu desejo revirando,
          Naquele olhar profundo.
 
Seu maleável corpo atormentava,
          A noite silenciosa,
Desperta, a Lua, eu nela me inspirava
          Poesia obsequiosa;
 
Escorre pela flor o fresco orvalho,
          E os lábios contraiam,
Palavras de labor, fútil trabalho,
          E os olhos refulgiam,
 
Duas pérolas perdidas no oceano
          Tão vasto quanto os olhos,
Há quem neles se perca e cria dano,
          Batendo nos escolhos;
 
De um deslizar de cisne, a elegância
          Ela tem ao andar,
O hálito empresta-lhe uma fragrância,
          Das noites de luar;
 
E quando os lábios finos se contraem,
          Respira o ar, desperta,
Dardejam uma doçura que me atraem,
          Que prende e não liberta.
 
Mas minha mão mantém uma distância
          Que tocar não permite,
Como quem foge da própria ignorância,
          E um crime me emite;
 
E assim, meu lírio branco, margarida,
          Deste sono desperta
Tenho ímpetos de Icário na subida
          No Sol de boca aberta.

Paixão

Novembro 22, 2007

Aquele casal tão mimoso e puro,
Lembrou-me o meu passado já distante,
No tempo em que era um louco, em que era errante,
Apaixonado pelo Lado Escuro.
 
Lembrou-me o quanto eu era inseguro,
Lembrou-me o beijo ousado e insolente,
De como o desferia indiferente,
De um sentimento nobre tão seguro.
 
Corria ele e pelo ombro sempre olhando,
E ela, a virgem flor, lhe acenando,
Cravando Amor no olhar uma promessa;
 
E este perfume gravado no peito,
Lembrou-me essa minha falta de jeito,
Querendo abrir botão de rosa à pressa.

A Impotência de Orfeu

Novembro 22, 2007

Escorrego no mármore branco e inundado,
Das lágrimas derramadas no chão humedecido,
Confesso que não sei porque sou comandado,
Deslizar nas tuas lágrimas. Por elas, sou vencido.
 
Nas florestas lúgubres, escuras do teu pranto,
Procuro uma clareira verde e esbranquiçada,
Com túlipas nascidas de cores do meu espanto,
Quando vejo essa tristeza, no teu rosto, estampada.
 
Atónito, estremeço, deste frio glacial,
Minha Eurídice cativa num Averno de amargura,
Consolada pelas garras aduncas desse Mal,
Sugando, a largos sorvos, o teu sangue, a tua alvura.
 
Das cavernas escuras, oiço agonizantes choros,
O teu, agudo qual punhal afiado dentro no peito,
Rasga-me a esperança, minha jóia entre tesouros.
Deixa-me entrar nesse Inferno sinistro, atroz e estreito.

A tua dor

Novembro 21, 2007

Belo contraste. Macio, o sol brilhava
Cedendo ao céu azul cândido, e deste
Pardas nuvens, tua dor celeste,
E eu, perdido na floresta, andava.
 
A tua dor pensei se não mudava,
Vaidosa pose do belo cipreste,
Nem beijo, nem abraço me ofereceste,
Só era a espessa sombra que sobrava.
 
Anseias por uma nova alvorada,
Que tenha a exuberância que fascina,
Minha Andrómaca, triste e amargurada;
 
Nada muda e nada mais me ensina,
Ver-te assim, margarida desfolhada,
Saber que tudo hoje te amarga e indigna.

Delírios

Novembro 19, 2007

Há um rio que nos separa, felizmente
Cativo, um fogo na escura caverna,
Eu tenho um deus do fogo que governa,
A chama perigosa e imprudente.
 
Numa hipnose infantil, oiço-te os passos,
Estremecem no chão da minha mente,
O rio que nos separa, infelizmente,
Transborda nos verdes campos, esparsos.
 
Mas penso nisto imenso e nada vejo,
Nem ponte extensa e frágil nos meus sonhos,
Feita com os teus olhares tristonhos,
Resolutos no ardente e fatal beijo.
 
Beijo, de serpente fria; prende
Veia, e se enrola nas pernas cravando,
Mandíbulas do Averno, retratando,
Quem vive este Romance e subentende.
 
Pende um nevoeiro, em frente, a ilha,
Prometida, que meu mundo compromete,
Será uma paixão que submete,
No teu rostinho oval o sol que brilha?
 
Amansa meu pensar, o meu delírio,
Da dor consciente da humana fraqueza
Da pele macia, a escura natureza
De desfolhar tão puro e branco lírio.
 
O caminhar solene, sem complexos,
O brilho intenso, o seu lindo sorriso,
Não posso pensar nisto, nem preciso,
Imaginar o entrechocar dos sexos.
 
Rosa vermelha, flor do meu encanto,
Tantas vezes ferido nos espinhos
Perdido e consolado em doces vinhos
Em noites engolindo o próprio pranto.
 
Tantos versos com meu sangue escritos,
E vacilante a minha alma dormente,
E quanto mais amava mais demente,
Estava, repelido quais mosquitos.
 
Que adornos podem ter rosas vermelhas,
De pérolas, rubis, topázios, gemas,
Eu quero que tu no meu corpo gemas,
Soltando, apertos, ais, quais tristes velhas.
 
Mas minha excelsa Andrómaca , bem quero,
Continuar a ter o teu olhar,
Meu lábio treme, de tanto te amar,
Que tento eliminar a voz de Homero.
 
Devo-te mais que a vida, um só instante,
A transparência dum lago profundo,
Sabendo que meu mundo é lá no fundo,
Sentido meu coração palpitante.
 
Parte a toda a brida, ó meu poema,
E num sussurro, canta-lhe aos ouvidos,
A prova no meu sangue dos sentidos,
Dizendo que me encontro num dilema:
 
Se o rasto hei-de seguir do Indefinido,
Se hei-de engolir inteiro este Universo,
Deixando-me nos olhos bem expresso,
O que não faz pra mim nenhum sentido.
 
E sê falcão real voando a pique,
Resposta dela, traz-me, do perdão,
Mesmo que seja um sim, que seja um não,
Pois pode haver, entre Ódio e Amor, despique.
 
Crava-me um ferro em brasa no meu ser,
Desperta-me com a luz que me alumia,
De Pégaso, dá-me ímpeto, ousadia,
E possa num momento converter,
 
Meu seco romantismo, inadequado
(Confesso: alheio ao Tempo, cego e mudo),
Não pode ser meu nada, ser meu tudo
No vento, este poema se espalhado.

Previsões

Novembro 19, 2007

Ninguém sabe o que pode acontecer,
No amanhã, pincelado de incerteza,
Saber da Fortuna, ter a certeza
Que vai nevar, brilhar o Sol, chover...
 
Eu nunca sei sequer que vou escrever,
Sei contemplar calado a Natureza,
E quando choro eu sei que é uma fraqueza,
Que adivinhar não posso, nem conter.
 
Certeza o Tempo tem, um batimento,
Tão forte quanto a Morte que há-de vir,
Bater-me, na incerteza, um dia à porta;
 
Por isso, eu lanço ao Mar do Esquecimento,
Tentar saber a hora de partir:
Vivo este grande Amor que me conforta.

Rugidos

Novembro 19, 2007

Foge, Leopardo, à nossa vista humana,
Nas belas montanhas do Paquistão,
Foge! A nossa mão suja e profana,
O túmulo sagrado da Paixão.
 
E quando a neve torna branca a Terra,
Que em convulsões violentas estremece,
Lidera a legião, declara a guerra,
À fome, enquanto o teu clã enriquece.
 
Sinto-me nas montanhas do Oriente,
O Leopardo das Neves do Ocidente.

Cantata de poeta

Novembro 16, 2007

Germina a terra a flor que envolve e abrasa,
Vermelha rosa, sangue que me empresta,
À pena, um sofrimento que me resta,
Deixar-me embalar com a pluma ou asa,
          Restando só perder-me,
          E deixar envolver-me,
Trocando a realidade p’la loucura,
Do avesso a Razão vira, alonga o pranto,
Quem não contempla, escuta, apalpa encanto,
No solo verde fértil de ternura,
          Voando num fascínio,
          Iminente declínio,
Alados anjos vejo. As nunvens cobrem,
Azul cândido, leve, tão macio,
Lança no fim de Outono, o ouro, o frio,
Fofas nunvens, tímido Apolo, encobrem,
          Um rasto de supresa,
          Revela uma Beleza,
Quem a procura e dela se apaixona,
Da flâmula nascendo um vivo lume,
Contempla sem lamento, sem queixume,
Ao ser agreste, essência nele abona,
          Tem anjos pela guarda,
          Os céus, sua mansarda,
Brilhantes olhos volvem o invisível,
Fixando vagamente olhar vazio,
Abençoado ser que ao céu subiu,
Tornando-se na terra imprevisível,
          Capaz de embelezar,
          Escombros ao cantar,
À fortuna deposita confiança,
Nada ambiciona, quer, nada pretende,
Macias mãos aos céus azuis estende,
Tentando encontrar nele alguma esp’rança,
          Movendo-se sozinho,
          Andando em desalinho,
Da gente desligado, estranho e só,
A mente, é pauta; as notas, sentimentos
Desfraldando o estandarte em pensamentos,
Temor de desfazer-se em ar, em pó,
          As coisas questiona,
          Palma de ouro ambiciona,
Caminha na passadeira da fama,
Em pensamento, sonho, ou na ilusão,
Que se alimenta só do coração,
Da sua alma se elevando porque ama,
          Pobre desventurado,
          Sem destino marcado,
Desenhando nas estrelas um querer,
Figuras lhe aparecem e se revelam,
Como outros noutros tempos o fizeram,
Na sublime arte de querer saber,
          E num áspero gesto,
          Lhe vejo olhar funesto,
Prender-se com correntes de amargura,
Nesta abençoada e maldita agonia,
Procurar Arca da Aliança poesia,
No orbe inteiro, nos rostos, com ternura,
          Mas cede a liberdade,
          Amor omnipotente,
Versos que esvoaçam como borboletas,
          Pairando sobre as flores,
          Anseios dos amores,
Da cor dos lírios, asas predilectas...

Obrigações

Novembro 15, 2007

Quero ver-me livre do que me obriga
A ter que ser outro além de quem sou,
Cantar uma canção, uma cantiga,
Porque cantar, nunca alguém me obrigou.
 
E a melodia é nobre, tão antiga,
Como um qualquer cantar que experimentou,
Por mais que nunca nunca a voz me diga,
Sou quem de sonhar tanto não deixou.
 
Fogem-me, quais lebres, os meus versos,
Pelos bosques discretos do meu ser,
Olham-me feras com olhos perversos;
 
Mas eis que acende a flâmula no peito,
Como crescentes surtos de prazer,
Ter mais que uma virtude e que um defeito.

Em segredo

Novembro 15, 2007

Musa: ama-me em segredo. Amar-te-ei,
Nos meus restantes poucos, tristes dias,
Ocorre-me pensar no que passei,
Pois não te encontrei onde te escondias.
 
Ignora as loucas, frias, profecias
Que me apoquentam porque te apoquentam,
Invade o verme as minhas Poesias,
Das flores dos jardins que nos sustentam.
 
Sê as duas margens que nos separam,
Serei o manso rio que vai correndo,
Das margens que nos unem, nos amaparam,
 
E passam horas sem que me atormente,
Sem que disso dê conta. E vai crescendo,
Tudo o que a vida aprova e nos consente

A minha Religião

Novembro 15, 2007

A Humanidade incrédula, procura,
O Santo Graal, a Arca da Aliança.
Não lhes concedo assim muita esperança,
Por ser um sonho vão, empresa dura.
 
Na Terra, o Homem é estranha criatura,
E nisto investe na perseverança,
Deixando no porvir sempre a lembrança,
De como a paz tão frágil nunca dura.
 
Tão perto está nossa busca divina,
Todo o sentido inverte e nos fascina,
De quem procura em vão e nada encontra;
 
És toda a religião que necessito,
Perco-me e encontro-me, e medito
Sentindo não ter nada ao Nada contra.

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