O Inverno
Janeiro 11, 2008
Ruge rouca a música de Inverno,
Embalado por violinos de Éolo irado,
Que oblíqua chuva traz, a voz do Averno;
O filho de Latona intimidado,
Oculto pelas nuvens pardacentas,
Reduz as sombras, torna o chão espelhado;
Ó tu, que os verdes campos alimentas,
Por Dafne escorraçado, deus do louro
Tamanhas dores hoje tu sustentas;
Luzídio, transformando pedra em ouro,
Aos olhos nossos lanças ilusões,
Da luz, terra tornando um bebedouro.
Treme a Prosérpina nas canções,
Da boca sente-se o hálito esperança,
Colhendo nas trevas desilusões.
No deus obscuro reina a desconfiança,
Seguindo o claro rosto triste e gasto,
Querendo na Beleza segurança;
Esfria, amargurada deusa, o pasto,
Ao gado vagaroso, em movimentos
Convulsos, tornando o vento nefasto;
Mas preparando os primeiros rebentos,
De quando retornando a filha amada,
Bálsamo aplica aos rudes pensamentos;
Não torna a espera longa, desusada
Fértil, torna a terra tão fecunda,
Vendo-se nos campos representada.
E eu, sentindo a terra tão profunda,
Mantenho este calor na minha mente
Soltando em verso um estertor que abunda.
Range o céu a boca, treme o dente,
O mulherengo deus, tramando alguma
Vítima dum capricho doente.
A isto, Juno tanto se acostuma,
Nem ordenando Argos com seus cem olhos,
Dando à exótica ave a bela pluma.
Júpiter carrega seus sobrolhos!
Uma gaivota voa e eu com ela,
Soltando à minha alma gastos ferrolhos,
Vago, olhando o mundo pela janela.